Uma vez que vemos certas coisas com os olhos da mente é impossível "desvê-las". Quem se dá conta da complexidade das relações entre os seres vivos de um ecossistema, por exemplo, inevitavelmente passa a caminhar pelo mundo enxergando uma trama antes invisível de fios a conectar os mais diferentes organismos.
Ocorre que essa teia é ainda mais onipresente do que haviam demonstrado os cientistas até agora, com conexões insuspeitas que influenciam o resto do tecido mesmo quando não parecem estar amarradas diretamente aos fios que estão alterando.
À primeira vista, parece algo quase mágico, e talvez faça sentido que o cenário dessa descoberta seja uma planta mais conhecida por estrelar cantigas infantis. Trata-se do alecrim-do-campo (Baccharis dracunculifolia), encontrado, entre outros lugares, na serra do Cipó, em Minas Gerais. (Sim, é aquele alecrim, "que nasceu no campo sem ser semeado". Bendita Galinha Pintadinha. Quem teve filhos ou netos pequenos nas últimas décadas certamente sabe do que estou falando.)
O alecrim-do-campo, gentil leitor, é um mundo em miniatura. Nesse arbusto podem ser encontradas pelo menos 15 espécies de formigas, nove tipos de predadores (aranhas e joaninhas —sim, muitas joaninhas são onças em miniatura), 41 espécies de insetos herbívoros.
Calma, não acabou. O vegetal abriga ainda 17 tipos diferentes de galhadores —no caso do alecrim, são insetos que produzem tumores, as chamadas galhas, nos tecidos da planta e se desenvolvem lá dentro. As galhas podem ainda ter inquilinos –animais que não as criaram, mas que se instalam nelas mesmo assim. E, por fim, cerca de 50 espécies de vespas parasitam os insetos galhadores.
Esses números, capazes de deixar qualquer um zonzo, foram fornecidos a este escriba por Milton Barbosa, pesquisador de pós-doutorado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Junto com Geraldo Wilson Fernandes, também da UFMG, e Rebecca Morris, da Universidade de Oxford (Reino Unido), Barbosa é autor de um estudo publicado recentemente sobre o microcosmo do alecrim-do-campo na revista especializada Current Biology. Com experimentos simples e muita paciência, o trio mostrou que a invisibilidade das conexões indiretas entre seres vivos pode ser "desligada" temporariamente, revelando toda a sua complexidade.
Barbosa e seus colegas buscavam detectar interações que fossem mais sutis do que as que acontecem diretamente entre duas espécies, como a predação praticada pelas joaninhas contra outros animaizinhos ou o parasitismo das vespas vitimando os insetos galhadores. A pergunta era: remover uma terceira espécie, que aparentemente não tem nada a ver com essas interações diretas, seria capaz de modificar as relações mais visíveis entre predadores e presas, por exemplo?
Eles testaram a ideia deixando algumas plantas sem formigas (por meio de uma resina que impedia que elas subissem no caule) ou, em outros exemplares de alecrim, retirando as galhas. Com isso, eles construíram uma "rede de efeitos" dessas manipulações —e verificaram que a maioria das interações diretas entre espécies foi alterada pela exclusão de um único elemento da teia que, aparentemente, não tinha nada a ver com a história.
"É o primeiro estudo a testar experimentalmente a existência generalizada e a importância de uma rede de interações ocultas", escrevem os pesquisadores. O trabalho reforça como é difícil prever as consequências de uma intervenção descuidada em tamanha complexidade.
Sair tropeçando em fios invisíveis não me parece uma ideia razoável para uma espécie tão jovem quanto a nossa.
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