Que o leitor perdoe a relativa vulgaridade da expressão, mas sempre convém puxar a capivara de um candidato —a ficha corrida de serviços prestados (ou imprestáveis) do sujeito.
O desleixo com que tratamos as eleições legislativas impede que isso seja feito com o devido afinco no caso das candidaturas ao Senado. Mas creio que, ao menos no caso do estado de São Paulo, uma capivara é digna de especial atenção: a do astronauta.
O bauruense Marcos Cesar Pontes, tenente-coronel reformado da Força Aérea, único brasileiro a integrar a tripulação da Estação Espacial Internacional, foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações em quase todo o governo Bolsonaro, deixando o posto só para preparar sua campanha ao Senado.
Como bolsonarismo e ciência são a proverbial dupla de óleo e água, seria de esperar que Pontes estivesse no olho do furacão ao longo dos últimos quatro anos. O astronauta aposentado até que tentou usar sua fama de bonachão para conquistar a confiança da comunidade científica, além de ensaiar alguns protestos sobre os cortes no orçamento para sua pasta, feitos a mando de gente muito mais graúda que ele.
Mas o que aconteceu quando a coisa realmente apertou e Pontes teve de escolher entre os fatos e a subserviência ao credo do bolsonarismo? Dois momentos são instrutivos.
Em julho de 2019, Bolsonaro sofria síncopes por causa dos dados crescentes do desmatamento na Amazônia, detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Insinuou então que o físico Ricardo Galvão, presidente do Inpe, estaria "a serviço de alguma ONG". Galvão respondeu ao presidente à altura; Pontes não teve peito para defender os números do Inpe e exonerou o pesquisador. O curioso é que, desde então, os dados do desmatamento só pioram e ninguém diz que eles são forjados —nem mesmo gente do governo.
O segundo incidente se deu no auge da pandemia, entre abril e outubro de 2020, quando Pontes anunciou com estrépito o suposto sucesso do vermífugo nitazoxanida contra a Covid.
Na busca desesperada por soluções mágicas e boas notícias para o governo Bolsonaro, os efeitos positivos do fármaco vieram a público quando ainda só havia testes in vitro (que, do ponto de vista clínico, dizem muito pouco ou nada). Meses depois, Pontes reiterou publicamente que o remédio era útil nos primeiros dias da infecção, mas o artigo científico sobre o tema dizia que ele não tinha efeito real sobre a progressão da doença.
Que o leitor tire suas conclusões acerca desses episódios. Mas parece difícil interpretá-los como algo além de atos de um invertebrado moral, que faz qualquer negócio em nome da sobrevivência política.
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