Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello
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Cidade no Líbano é exemplo da integração com refugiados sírios

Clima em Wadi Khaled contrasta com a tensão no resto do país

A refugiada síria Fatma Qassem colhe morangos em uma estufa construída com o apoio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Wadi Khaled, no norte do Líbano
A refugiada síria Fatma Qassem colhe morangos em uma estufa construída com o apoio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Wadi Khaled, no norte do Líbano - Lalo de Almeida/Folhapress

O fotojornalista Lalo de Almeida e eu estamos no Líbano a convite do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. A viagem é a premiação pelo primeiro lugar no Prêmio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para jornalismo humanitário —viemos representando a equipe de mais de 20 pessoas responsáveis pelo projeto "Um Mundo de Muros", especial multimídia publicado pela Folha no ano passado.

Como disse o chefe da delegação do CICV para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Lorenzo Caraffi, o projeto mostra "as pessoas afetadas pelo drama humanitário criado pelas barreiras, pelos muros".

Em uma triste coincidência, dois dias depois de chegarmos ao Líbano, o governo israelense começou a construir um muro na fronteira entre Líbano e Israel. Segundo Israel, o objetivo do muro é a defesa contra os ataques do Hizbullah. O governo libanês anunciou que considera a construção "uma agressão" e que o muro passa em parte do território do Líbano. Israel nega, dizendo que a construção será toda do lado israelense, segundo as fronteiras reconhecidas pela ONU.

A última vez que Líbano e Israel entraram em guerra foi em 2006, e o conflito causou mais de 1.200 mortes.

Mas enquanto mais um muro se ergue entre dois países, uma cidade no norte do Líbano, Wadi Khaled, mostra como é possível ultrapassar barreiras.

Operários israelenses trabalham na construção de um muro na fronteira com o Líbano
Operários israelenses trabalham na construção de um muro na fronteira com o Líbano - Ali Hashisho/Reuters

Wadi Khaled fica bem na fronteira da Síria. Depois que começaram os confrontos entre o governo sírio e a oposição, os agricultores de Wadi Khaled tiveram de parar de cultivar suas terras, porque frequentemente havia balas perdidas e mísseis.

A cunhada da libanesa Lina Hamad Doueiry, por exemplo, foi atingida enquanto cuidava de suas plantações de pepinos e berinjelas —passou por sete horas de cirurgia. Sem poder trabalhar na terra, os libaneses passaram a viver de bicos e perderam boa parte de sua renda.

A cidade recebeu um fluxo enorme de refugiados sírios —hoje, há 45 mil libaneses e 55 mil sírios em Wadi Khaled.

Muitos dos sírios conseguem ver suas casas e terras do outro lado da fronteira. A família do sírio Usama  Qassem e sua tia, Fatma, tinha casa, uma granja, plantava morangos e pepinos e produzia mel. Obrigados a fugir em 2015, deixaram tudo para trás. A casa foi saqueada e os animais, roubados.

"Daqui da fronteira, consigo ver tudo o que perdi", diz Usama.

Enquanto a convivência entre libaneses e refugiados sírios é tensa em grande parte do país, em Wadi  Khaled há integração. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha distribuiu 122 vacas e 10 estufas para plantação de morangos para famílias de libaneses e de sírios. O trato é o seguinte: os libaneses alugam parte de suas terras para os refugiados sírios, que pagam com ajuda do CICV. Em troca, a organização doa os animais e as estufas para todos. E, assim, libaneses e sírios estão vivendo lado a lado e cultivando juntos, desde o ano passado.

"Estamos felizes, inclusive porque os sírios tinham experiência de cultivar morangos e nos ensinaram", diz Lina.

A fronteira e a guerra continuam. Mas o muro entre algumas famílias sírias e libanesas foi derrubado.

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