Neste momento, 3,5 milhões de pessoas já foram infectadas no Brasil pelo coronavírus e 115 mil morreram vítimas do maior desafio científico de todos os tempos. O estado de São Paulo registra 25% dos mortos brasileiros, um terço deles somente na capital. Quem diria que neste momento tão crucial para a saúde mundial, nossa ciência fosse tão severamente ameaçada?
Há uma semana, o governador Doria resolveu propor um projeto de lei à Assembleia Legislativa do Estado de SP, que estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas que capengam por causa da pandemia.
O artigo 14 deste PL 529, que tramita em urgência na Alesp, afeta o planejamento e a gestão das três universidades estaduais paulistas: USP, Unicamp e Unesp. Pasmem, quase 40% das publicações sobre a Covid-19 de todo o país têm a participação de cientistas destas três universidades!
Se o PL 529 for aprovado, ele atingirá diretamente a Fapesp, fundação de apoio à pesquisa do estado, pois determina que o seu “superávit” financeiro seja transferido para a conta única do Tesouro Estadual para pagar aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social do Estado.
Vale lembrar que o “superávit” da Fapesp não é um excedente patrimonial, mas uma reserva financeira para o pagamento de auxílios à pesquisa científica, bolsas de estudo e apoios institucionais já concedidos para os próximos meses e anos.
Esta reserva é imprescindível para a gestão das universidades, pois 41% das pesquisas de cientistas da USP, da Unesp ou da Unicamp tiveram em 2019 algum tipo de aporte da Fapesp. Além de um roubo acadêmico isto se traduziria por um roubo científico!
Vamos explicar. A Fapesp, a principal agência de fomento à pesquisa científica e tecnológica do país, está ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado, com orçamento que corresponde a 1% da receita tributária de São Paulo, tem uma presença forte no cenário da ciência e tecnologia do país e do exterior.
A Fapesp movimenta anualmente cerca de R$ 1,25 bilhões, para apoiar a pesquisa científica e tecnológica por meio de bolsas (24%), auxílios a quase 25 mil projetos (51%) e infraestrutura (10%), inovação e colaboração com empresas (9,5%), atendendo todas as áreas do conhecimento: ciências biológicas, ciências da saúde, ciências exatas e da terra, engenharias, ciências agrárias, ciências sociais aplicadas, ciências humanas, linguística, letras e artes.
Para completar, 4,5% do orçamento destinam-se a pesquisa em temas estratégicos (mudanças climáticas, bioenergia, biodiversidade) e 1% é investido em difusão, mapeamento e avaliação de pesquisas.
Se o projeto de Doria for aprovado, pela primeira vez a autonomia garantida à Fapesp na Constituição Estadual seria desrespeitada.
O valor a ser recolhido da Fapesp já nos próximos dias da aprovação seria de cerca de R$ 580 milhões, o equivalente a um terço dos seus recursos, comprometendo plenamente a sua capacidade de conceder novas bolsas e aprovar projetos.
A USP, a mais importante universidade do estado, perderia R$ 480 milhões. O que esperar da ciência brasileira se hoje, só a USP é responsável por mais de 20% de toda a produção científica do país?
Meu colega Helder Nakaya retratou perfeitamente este efeito colateral do coronavírus: “tudo se resume no que tem ou não a ver com o nosso café com leite, pois afeta diariamente nossas vidas e hábitos. Retirar o dinheiro do fomento das pesquisas irá tornar o seu café com leite profundamente amargo, caro e perigoso para a saúde. Afinal, o teste diagnóstico que você faz para Covid-19, os tratamentos, os estudos de transmissão da doença, o impacto na economia e, claro, as vacinas dependem da ciência.”
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