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� professor do curso de Gest�o de Pol�ticas P�blicas da USP desde 2005. Fez gradua��o, mestrado e doutorado em filosofia na mesma universidade. Escreve �s ter�as.
A polariza��o n�o est� nos deixando pensar
Tr�s observa��es sobre a polariza��o pol�tica.
1) A polariza��o n�o � o processo no qual a opini�o se concentra em dois pontos de vista que se negam, mas em pontos de vista que negam aquilo que acreditam que seja o ponto de vista do outro.
No Brasil de hoje, temos dois campos pol�ticos principais: um campo que se define como "antipetista" e outro que se define como "esquerda".
O campo antipetista se v� essencialmente como anticorrup��o (o PT sendo o caso mais extremo da corrup��o que tomou o Estado brasileiro) e o campo da esquerda se v� como o guardi�o da justi�a social.
O antipetismo nega, assim, o que acha que � a esquerda: um campo que defende a corrup��o. J� a esquerda nega aquilo que acha que o antipetismo �, a despeito do que diz: uma corrente que traveste de anticorrup��o sua ojeriza � ascens�o social dos mais pobres.
O antipetismo se v� como anticorrup��o, mas � visto como socialmente insens�vel. A esquerda se v� como defensora da justi�a social, mas � vista como corrupta. Cada um se define n�o pela nega��o do outro, mas pela nega��o daquilo que acha que o outro �.
2) A polariza��o n�o � apenas a concentra��o da opini�o em pontos de vista opostos, mas o alinhamento dessas posi��es.
A polariza��o produz a ado��o de posi��es interligadas, isto �, quando determinado campo pol�tico toma uma posi��o, o campo advers�rio automaticamente toma posi��o no sentido contr�rio, produzindo pares de oposi��es perfiladas.
Quando os antipetistas abra�aram a luta anticorrup��o como pauta central, a esquerda, em rea��o, adotou a tese contr�ria de que a luta contra a corrup��o era uma superficialidade tola, j� que os v�nculos entre o poder p�blico e as empresas seriam inerentes � sociedade capitalista.
Do outro lado, t�o logo a esquerda tomou o Bolsa Fam�lia como uma pol�tica social exemplar, os antipetistas passaram a v�-lo como um programa assistencialista que manteria os mais pobres em uma condi��o estrutural de depend�ncia do Estado.
A mesma coisa aconteceu quando o antipetismo se colocou contra a arte elitista irrespons�vel que expunha crian�as � obscenidade e � pervers�o e a esquerda, em oposi��o, se colocou a favor da plena liberdade de express�o art�stica.
Por sua vez, quando a esquerda se colocou contra humoristas que, a seu ver, desrespeitavam negros, gays e mulheres, o antipetismo considerou a cr�tica um excesso e uma patrulha caracter�sticas do politicamente correto.
3) Como se trata de um alinhamento autom�tico, a polariza��o limita a reflex�o e a tomada de posi��o pol�tica independente.
Isso acontece porque a afirma��o da identidade pol�tica –ser de esquerda ou ser antipetista e tudo o que isso implica– � mais importante do que a avalia��o independente de cada um dos temas em discuss�o.
O campo antipetista se v� como defensor da lisura e da �tica na pol�tica e n�o consegue entender como as pessoas do outro campo podem simplesmente defender um partido corrupto –por isso sup�e que todo mundo "do lado de l�" est� levando alguma vantagem, um p�o com mortadela, um Bolsa Fam�lia, um cargo comissionado ou um projeto da Lei Rouanet.
A esquerda se v� como a guardi� da justi�a social e trata qualquer um que se oponha ao legado social dos governos petistas como inimigo de classe, pessoas socialmente insens�veis que obviamente est�o ocultando sob o manto da luta anticorrup��o a defesa crua dos seus privil�gios e interesses –de classe, mas tamb�m o de pessoas brancas, heterossexuais e cisg�nero.
Ser �tico e combater a corrup��o ou ser justo e combater a desigualdade s�o identidades que est�o sendo politicamente mobilizadas por grupos de poder para promover projetos que nem sempre s�o �ticos e nem sempre s�o socialmente justos.
� medida que a polariza��o avan�a, essas identidades est�o sendo alargadas para cada vez incluir mais convic��es pol�ticas apaixonadas -agora, elas est�o passando a incluir tamb�m a defesa da fam�lia, dos valores tradicionais e a puni��o dura aos criminosos, de um lado, e a defesa dos direitos de negros, mulheres e pessoas trans, de outro.
Quando � mais urgente afirmar apaixonadamente a nossa identidade do que exercer o julgamento cr�tico sobre as quest�es, de forma independente, nossos mais sinceros e honestos compromissos pol�ticos podem facilmente ser colocados a servi�o de projetos que, na pr�tica, promovem o oposto daquilo que queremos.
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