Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nelson Barbosa

Contas públicas frágeis do Brasil podem aumentar impacto da crise turca

Tensão dos últimos dias nos mercados só eleva a necessidade de reformas para controlar gastos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Turco à frente de casa de câmbio em Istambul
Turco à frente de casa de câmbio em Istambul - Lefteris Pitarakis/Associated Press

A Turquia passa por dificuldades cambiais, com impacto negativo sobre vários países, incluindo o Brasil. Apesar desse contágio, é preciso diferenciar Brasil e Turquia, pois lá o principal desequilíbrio financeiro ocorre em moeda externa (balanço de pagamentos), enquanto aqui nosso principal problema ainda é em moeda interna (fiscal).

Três indicadores ajudam a entender a diferença. 

Primeiro, em 2017, a Turquia teve déficit de 5,6% do seu PIB em transações correntes com o resto do mundo. No Brasil, o déficit foi de apenas 0,5% do PIB no ano passado. 

Segundo, no fim de 2017, as reservas internacionais da Turquia correspondiam a apenas 26% de sua dívida externa total. No Brasil o mesmo indicador estava em 67%. 

Terceiro, caso tivesse que liquidar toda a sua dívida de curto prazo em moeda estrangeira, a Turquia queimaria 93% de suas reservas internacionais no fim de 2017. No Brasil, a mesma ação absorveria apenas 16% de nossas reservas.

A situação cambial da Turquia (e a da Argentina) de hoje é mais parecida com o Brasil de Fernando Henrique, quando o governo teve que recorrer três vezes ao FMI por falta de financiamento externo (1998, 2001 e 2002). 

Os empréstimos contratados pelo governo tucano daquela época só foram liquidados em 2005, pelo governo Lula, e a partir de então o Banco Central começou a acumular reservas internacionais, que chegaram a US$ 365 bilhões no fim do governo Dilma.

Desde então, nossas reservas têm flutuado entre US$ 363 bilhões e US$ 383 bilhões, pois a lição foi aprendida: o governo brasileiro deve manter elevadas aplicações de curto prazo em dólar para lidar com a volatilidade vinda de fora.

Reservas altas ajudam na condução da política macroeconômica, mas não significam que estamos imunes a choques vindos do resto do mundo. Ainda sofremos contágio de crises externas, mas hoje o impacto é menor e diferente de o que acontecia há 20 anos.

De um lado, como atualmente o governo brasileiro é credor líquido em moeda estrangeira, a depreciação do real gera ganho de capital imediato para o Banco Central, reduzindo a dívida líquida do setor público em um primeiro momento. Nas crises cambiais de 1997-02, aconteceu exatamente o oposto.

Do outro lado, a depreciação do real também tende a aumentar a inflação no curto prazo, o que pode fazer com que o Copom eleve a Selic mais cedo do que se esperava. Nesse caso, a taxa média de juros paga pelo governo também tende a subir e, portanto, o Tesouro tem que aumentar seu esforço fiscal (resultado primário) para controlar o grau de endividamento do setor público.

Como o governo brasileiro já tem déficit primário elevado, esse segundo “canal de transmissão” pode dominar o primeiro com o passar do tempo, sobretudo se não forem feitas as reformas necessárias para reequilibrar o Orçamento público.

Traduzindo do economês, apesar de elevadas reservas em dólar, a fragilidade de nossas contas públicas pode aumentar o impacto da crise turca sobre a Brasil. Assim, os eventos externos das últimas semanas só reforçaram a necessidade de reformas que controlem o gasto e recuperem a arrecadação do governo no Brasil.

Esse problema, que é eminentemente interno (em reais), continua sendo nosso maior desafio econômico e político.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.