Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Só lembro quando acordei na UTI, depois de o pior já ter passado', diz Tony Ramos

Recuperado do acidente vascular cerebral que o fez passar por duas cirurgias na cabeça, o ator volta ao teatro na sexta (12), ao lado de Denise Fraga, no que chama de 'a peça da minha vida'

Tony Ramos, 75, é um homem de sorte. E não digo isso porque ele quase morreu há pouquíssimo tempo e está completamente recuperado –vamos falar desse assunto espinhudo mais pra frente.

Tony Ramos tem um tipo de sorte rara de se ver por aí. É a sorte de saber desde cedo o que quer, ir atrás, conseguir e —essa parte é fundamental— continuar querendo depois que consegue. Foi assim no trabalho e é assim no amor.

E, pensa bem, se a gente tirar da frente o que não é importante, toda a espuma de desejos que embaçam tão frequentemente nossa visão, se a gente for completamente honesto na hora de pensar no que quer da vida, não acaba resumindo tudo em um trabalho e um amor?

Saúde também, é evidente. E Tony Ramos não se descuida, afinal seu corpo é seu material de trabalho. "Nunca deixei de fazer exercícios aeróbicos, musculação. E mantenho minha vacinação sempre em dia. Eu e a Lidiane", diz o ator, em uma conversa por Zoom de mais de uma hora no começo desta semana.

Tony agora faz fisioterapia diariamente, desde que saiu da UTI, no dia 21 de maio, depois de duas cirurgias no cérebro feitas de emergência para drenar dois sangramentos grandes e importantes que, se não fossem tratados a tempo, teriam sido fatais.

"Eu não me lembro de nada do que aconteceu. Quando acordei, já no hospital, depois das duas cirurgias, a Lidiane me contou o que tinha acontecido, levei um susto e pedi para ler as notícias que tinham saído sobre o meu caso".

"Eu estava no Rio de Janeiro para terminar as filmagens do filme 'A Lista', com a Lilia Cabral [ainda sem definição de estreia]. E vinha sentindo uma dor de cabeça quando tossia, doía a minha testa, bem na frente, às vezes na lateral. Eu dizia para a minha mulher que achava que tinha pinçado um nervo na coluna. Ela me disse 'vai ao médico'. Mas eu não tinha tempo naquele dia, então tomei um remédio comum e fui deitar. Quando comecei a me demorar, estava chegando a hora de eu sair para a filmagem, ela subiu até o quarto e me encontrou desfalecido, entregue, desmaiado", conta.

Tony Ramos nos bastidores do filme 'A Lista' - Fabio Rocha/Globo

"Nisso chegou o carro da produção, a Lidiane chamou nosso funcionário e pediu que ele chamasse o motorista do filme para ajudar, porque ela não aguentava o meu peso sozinha. Ligou para a minha médica por FaceTime. Quando me viu daquele jeito, ela mandou uma ambulância na mesma hora."

Nos 15 minutos que a ambulância levou para chegar à casa dele, a médica Viviane Belidio entrou em contato com o neurocirurgião Paulo Niemeyer, ainda sem certeza do que estava acontecendo com o ator, mas já sabendo que era muito grave. O doutor Niemeyer foi direto para o hospital Samaritano, no bairro de Botafogo, na zona sul do Rio, e pediu que a sala de cirurgia fosse preparada.

Tony Ramos chegou ao hospital, fez uma tomografia. Assim que os pontos do sangramento ficaram visíveis através do exame, o neurocirurgião determinou em que lugar ia perfurar o crânio do ator para drenar o sangue que estava comprimindo seu cérebro e causando as dores de cabeça.

A primeira cirurgia aconteceu minutos depois de o paciente chegar ao hospital. Mas, algum tempo depois, já na UTI, Tony teve uma convulsão e foi necessária uma segunda cirurgia. Ou seja, outro buraco foi aberto na cabeça dele para drenar mais um tanto de sangue de um segundo hematoma que havia ficado escondido na tomografia, embaixo do primeiro.

"Eu tô repetindo tudo o que a minha mulher me contou, eu mesmo só me lembro do que aconteceu quando acordei na UTI, depois de o pior já ter passado". Tony iniciou a fisioterapia assim que foi transferido para um quarto de hospital normal, não mais uma UTI, e tem feito diariamente desde então.

Outro exercício que ele fez ainda na cama do hospital foi testar a memória, e passou todo o texto da peça "O Que Só Sabemos Juntos", o espetáculo que ele e Denise Fraga fazem desde o dia 26 de abril no Tuca, em São Paulo, e que foi interrompido por causa do acidente do ator, no dia 16 de maio.

Quem estava com ingresso comprado para as sessões canceladas e ainda não pediu reembolso do dinheiro pode fazê-lo por meio do site da empresa Sympla. As sessões que vão acontecer ainda não estão totalmente lotadas, portanto, quem tiver interesse em assistir ao que Tony Ramos chama de "a peça da minha vida" ainda tem tempo.

"Essa peça é muito especial, porque ela invade até terrenos da minha infância, coisas que estavam guardadas na minha memória há muito tempo", conta o ator. "É um espetáculo que nasceu na sala de ensaio, e ver isso acontecer, de uma maneira muito orgânica, mas pulsante, é uma coisa muito especial", diz ele.

"A gente ia fazendo exercícios, improvisos, ia vendo o que estava funcionando, aí juntava com um trecho de uma poesia do Fernando Pessoa, uma história pessoal, uma cena de filme de super-herói. Só de falar me emociona."

Já fazia 20 anos que Tony Ramos estava longe dos palcos, dedicado ao audiovisual, novelas, séries, filmes, quando apareceu o convite para construir e apresentar "O Que Só Sabemos Juntos", uma espécie de spin-off, um produto derivado, digamos, do espetáculo anterior de Denise Fraga, também apresentado no Tuca, um enorme sucesso de público e crítica chamado "Eu de Você".

A sorte de Tony Ramos esbarrou até em mim, que tenho hoje a felicidade de contar que o ator estará de volta aos palcos do Tuca daqui a cinco dias, na próxima sexta-feira (12), para retomar a temporada deste espetáculo incomum, descrito como uma peça-celebração-despertador.

Confuso? Pode ser que sim, eu mesma ainda não tive chance de assistir, estava com ingresso comprado justamente para a apresentação do dia 17, o dia seguinte ao acidente que quase tirou Tony Ramos dos cinemas, das novelas, do teatro e da vida, de uma vez só. Mas não podia ter sido assim, e não foi.

A história deste paranaense nascido em Arapongas, que completa 76 anos no dia 25 de agosto, ainda tem muitos capítulos pela frente. E olha que tudo na vida dele foi precoce.

Tony Ramos trabalha como ator desde os 14 anos –ele se encantou pela profissão muito criancinha, quando tinha 3 ou 4 anos. São mais de seis décadas de profissão –com carteira assinada! Ele é contratado da TV Globo há 45 anos e está esperando a decisão da emissora para saber se vai fazer uma novela ou uma minissérie em seguida. Seu último trabalho foi como o vilão Antônio La Selva, de "Terra e Paixão".

É casado desde os 21 anos de idade, com seu primeiro e único amor, Lidiane. Os dois são pais de um casal de jovens adultos, Rodrigo e Andréa, que optaram por levar a vida longe dos holofotes e por seguir carreiras diferentes da do pai.

A vida privada de Tony sempre foi assim, privada. Não escondida, mas protegida. Ele é tão adepto da privacidade que não gosta nem de ouvir fofocas dos colegas. E já pensou o tanto de fofoca que já passou perto dele, de raspão, nos bastidores das mais de 50 novelas em que já trabalhou?

"Eu sou famoso na televisão por não querer ouvir fofoca", conta. "Se chega alguém dizendo que tem uma história quente para contar, meu Deus do céu, aí é que eu não quero ouvir mesmo, saio pela tangente". Quando não consegue, quando a fofoca é tão quente que chega até os jornais, aí não tem jeito, mesmo sem gostar ele acaba sabendo.

"Mas quando vem alguém me perguntar o que eu acho de não sei quem trair não sei quem com não sei quem, eu só digo que lamento, o que é do foro íntimo de cada pessoa não é da minha conta. Aliás, não é da conta de ninguém".

"É fácil conviver comigo", afirma. "Não suporto intolerância nem soberba, nunca falo de ninguém pelas costas e rio à toa, adoro até as piadas politicamente incorretas, desde que não machuquem ninguém. Meu ídolo, além do ator italiano Totò (1898-1967), é o Steve Martin. Mas adoro as reprises do Paulo Gustavo, o humor do Paulo Vieira. E vi um menino muito engraçado recentemente, Igor Guimarães, você conhece?".

Conheço. Mas confesso que nunca imaginei essa cena, Tony Ramos assistindo, e rindo, de Igor Guimarães, um comediante mineiro muito engraçado mesmo, que surgiu como um fenômeno da internet já há alguns anos e tem mais de três milhões de seguidores.

É mais uma dessas sortes que algumas pessoas têm, e de que Tony Ramos desfruta, a de gostar genuinamente do que a vida tem a oferecer.

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