![mônica bergamo](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/1507426.jpeg)
Jornalista, assina coluna com informa��es sobre diversas �reas, entre elas, pol�tica, moda e coluna social. Est� na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.
Mara Gabrilli renova o sonho de voltar a andar ap�s conseguir mexer bra�os
Mara Gabrilli, 48, move sutilmente o bra�o e faz a m�o empurrar uma alavanca que p�e sua cadeira de rodas para andar, na sala de seu apartamento. Um gesto pequeno para quem v�, mas gigantesco para ela.
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Tetrapl�gica h� 21 anos, por causa de um acidente de carro, a deputada federal pelo PSDB-SP come�ou h� alguns dias a ir ao Congresso na cadeira nova, que ela mesma pilota. At� ent�o, dependia de algu�m para empurr�-la. "Me sinto como uma crian�a que descobre o mundo."
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"U�, como de repente ela t� se mexendo?" � uma pergunta que ela tem ouvido. Mas a verdade � que n�o foi t�o r�pido assim. As conquistas aconteceram aos poucos, de cinco anos para c�. A regi�o dos ombros, por exemplo, antes era im�vel e come�ou a ficar mais solta. "Eu j� via avan�os. Os outros � que n�o estavam muito ligados", diz ao rep�rter Joelmir Tavares.
O tratamento que resgatou parte dos movimentos envolve dois pilares: aplica��o de choques, a chamada eletroestimula��o, e exerc�cios que ela faz com cordas, tiras de tecido e suportes para ficar em p�.
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Numa manh� ensolarada de segunda-feira, antes de viajar para Bras�lia, ela inicia mais uma sess�o das atividades. Para os choques, que contraem os m�sculos, uma de suas tr�s funcion�rias gruda eletrodos na pele dela e aciona um aparelho.
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No caso das pernas, uma assistente a segura por tr�s, em p�. "Brinco que elas � que tinham que pagar pra trabalhar comigo. Eu sou uma academia!" Com a eletricidade, as coxas ficam "uma tora", enrijecidas. "Rola uma serotonina forte", diz, rindo.
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"Foram anos e anos dando choques sem ter nenhum resultado vis�vel. Mas eu acreditava que l� dentro tava acontecendo alguma coisa." A primeira vez que teve for�a suficiente para deslocar a cadeira foi no fim do ano passado. "A sensa��o foi de 'conseguiii!' [risos], uma felicidade muito grande. E me senti desafiada a continuar praticando." Tem treinado mais o bra�o direito, que n�o responde t�o bem quanto o esquerdo.
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Parte dos fisiatras e fisioterapeutas, afirma ela, n�o prescreve a eletroestimula��o. "Dizem que n�o promove movimento, que n�o tem serventia. S� que eu sempre achei que tinha. Que era melhor contrair uma vez por semana do que nunca."
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Mara cria os pr�prios exerc�cios com base no que aprendeu com especialistas desde que parou de se mexer do pesco�o para baixo. Diz conhecer seu corpo melhor que ningu�m. Com "f�sico de atleta", controla a alimenta��o e toma 60 suplementos por dia.
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A malha��o � ao som de m�sica agitada. No teto da sala e da varanda est�o pendurados os suportes: cordas nas quais ela se amarra para executar posi��es de ioga e de pilates; um suporte de ferro em formato de cabide que desliza em um trilho; molas com tiras na ponta onde fica com as m�os suspensas, balan�ando pela a��o da gravidade.
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"Agora eu at� tenho esse neg�cio [para segurar a m�o], mas antes a costureira fazia com pano, tiara de cabelo. � prego e el�stico. N�o tem segredo. Basta criatividade." Ela, que exibe nas redes sociais a rotina de duas horas di�rias de exerc�cios, tenta mostrar as alternativas. "D� pra ficar em p� com um aparelho nacional de choque que custa R$ 700", exemplifica.
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De fam�lia abastada, ela viaja aos EUA para fazer tratamentos, mas tamb�m utiliza servi�os do SUS e da AACD. "Tenho consci�ncia de como seria se tivesse nascido numa fam�lia pobre. Tudo que n�o teria, que n�o conseguiria."
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Mara � do tipo de pessoa que encara a vida com bom humor, acredita na ci�ncia e n�o descr� da espiritualidade. "O primeiro livro que me deram na UTI depois que eu quebrei o pesco�o foi 'A Cura Qu�ntica', de Deepak Chopra. Ele explica como transformar energia em mat�ria, fazer pensamento virar condu��o el�trica, neur�nio. Li, fechei o livro e comecei a trabalhar."
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Hoje em dia, ao encher os pulm�es para se exercitar, relembra o medo que sentiu naquela �poca, quando ficou alguns meses respirando com a ajuda de aparelhos. "Parecia uma eternidade. E eu n�o falava, porque tinha feito traqueostomia. Minha grande conquista foi n�o precisar ficar presa na tomada. Me sinto muito poderosa por respirar. � a �nica coisa que fa�o sozinha, al�m de falar."
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Apesar de precisar de ajuda o tempo todo, ela faz o poss�vel para o corpo n�o esquecer os gestos. A assistente que leva comida e �gua � boca de Mara segura junto a m�o dela, simulando o movimento. O mesmo acontece no banho e ao escovar os dentes. A deputada ainda n�o � capaz, por exemplo, de levantar o bra�o.
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Em Bras�lia, faz press�o por um atendimento melhor para pessoas com defici�ncia. Circula pelo plen�rio de p�, presa pelo cinto ao encosto da cadeira, que fica na vertical. "O povo fala que eu empino carro�a!", diverte-se.
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Quase na hora de sair de casa, ela � colocada na cadeira e pilota pela sala cheia de imagens de Buda ("Comprei uma e a� todo mundo come�ou a me dar de presente").
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Mara j� estava mexendo os bra�os quando, neste ano, seguiu a dica de um amigo e come�ou a frequentar o centro do m�dium Jo�o de Deus, em Abadi�nia (GO). "Voc� pode acreditar no que for, mas aquilo ali � muito forte."
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Durante sua cirurgia espiritual, soube que era o m�dico Oswaldo Cruz (1872-1917) incorporado no m�dium. Depois foi pesquisar e se surpreendeu: o sanitarista nasceu em S�o Luiz do Paraitinga (SP), mesma cidade onde ela sofreu o acidente em 1994, numa rodovia batizada com o nome de Oswaldo Cruz. "Pode ser coincid�ncia, mas..."
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Deitada na maca, sob as ordens de Jo�o de Deus, ela conseguiu levar o bra�o at� a barriga. "Ele falava: 'Vai, mexe o bra�o. Vai! Olha o tamanho da fila esperando!'. Assim, brigando comigo", diz ela, aos risos. "Acho importante arriscar. Porque, se eu tivesse o medo de me frustrar, eu n�o teria nem come�ado."
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Perseverante, Mara ganhou motivos para fermentar a esperan�a de voltar a andar. "Tenho a teimosia de acreditar nas informa��es que v�m do meu corpo. Nunca achei que eu tivesse um problema irrevers�vel. Se aconteceu no bra�o, por que n�o pode acontecer na perna?"
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E segue: "Uma pessoa que fica tetra ouve: voc� vai ter ferida, ficar deprimido, nunca mais vai sentir, nunca mais isso, nunca mais aquilo. Foram esses os avisos que eu recebi. A �nica diferen�a � que o fofo do cirurgi�o falou pra mim que eu tinha 1% de chance de voltar a me mexer. Eu disse: 'Ah, valeu. Ent�o t� no lucro'".
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