Autor de 'Not�cias do Planalto', obra que dissecou as rela��es entre a Presid�ncia de Fernando Collor e a imprensa, come�ou sua trajet�ria como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos s�bados.
Retorno ao Livro 3
Bruna Barros/Bruna Barros/Editoria de Arte/Folhapress | ||
N�o � de hoje que o empreendedorismo chama aten��o. Num livro publicado h� 123 anos, s�o feitas tr�s afirma��es sobre pessoas que tomam dinheiro emprestado para montar seus neg�cios.
Ele diz de in�cio: "O fato que um homem sem fortuna, mas com energia, seriedade, capacidade e conhecimento dos neg�cios, possa tornar-se um capitalista � bastante admirado pelos economistas apolog�ticos".
Mas logo na sequ�ncia ele nega os economistas, constatando que o incremento do empreendedorismo "produz um n�mero indesejado de novos cavaleiros da fortuna, que entram em competi��o com os diversos capitalistas individuais j� existentes".
A senten�a � encerrada com a nega��o da negativa anterior: o acr�scimo de empreendedores "refor�a a domina��o do pr�prio capital, ampliando a sua base e permitindo-o recrutar sem interrup��o for�as novas no substrato da sociedade".
Est�-se, como se v�, no �mbito da dial�tica, com tese, ant�tese e s�ntese concentradas numa frase. Est�-se na p�gina 660 da nova tradu��o do Livro 3 d'"O Capital", rec�m-lan�ada pela Boitempo. Marx n�o para a�, e faz um paralelo entre catolicismo e capitalismo:
"Do mesmo modo, o fato que na Idade M�dia a Igreja Cat�lica formasse sua hierarquia com os melhores c�rebros do povo, sem levar em conta estamento, nascimento ou patrim�nio, foi um dos principais meios de consolida��o do dom�nio eclesi�stico."
Chega assim a uma generaliza��o: "O dom�nio de uma classe � tanto mais s�lido e perigoso quanto maior � a capacidade de essa classe dominante assimilar os homens mais importantes das classes dominadas".
Passe-se esse pensamento para a Am�rica Latina do s�culo 21. Chega-se � conclus�o –contraintuitiva– que Ch�vez, Morales e Lula, catapultados do substrato do povo para o topo do Estado, atestam a vitalidade do capitalismo. Mostram sua capacidade em cooptar os melhores entre os dominados, para por seu interm�dio manter a domina��o.
O Livro 3, contudo, n�o trata de pol�tica. Depois de estudar a produ��o e a circula��o do capital nos volumes anteriores, Marx investiga a economia como um todo. O tema do Livro 3, pois, � o processo global de transforma��o do trabalho vivo no seu fantasma –o capital financeiro.
� um tema atual. Na crise de 2008, por exemplo, estourou uma bolha imobili�ria nos EUA. Ela fora inflada por um sistema de cr�dito que, de um lado, financiava a constru��o civil, e, de outro, emprestava a empreendedores e pequenos poupadores.
Com a insolv�ncia geral, aqueles que pegaram empr�stimo para comprar casas e abrir neg�cios perderam os im�veis e o que investiram. Esse mecanismo de preju�zo total foi antevisto no Livro 3:
"A expropria��o completa do trabalhador n�o � um resultado que o modo de produ��o capitalista procura alcan�ar, mas uma premissa da qual parte".
"O Capital" n�o � para ser lido na praia. Ele demanda empenho e paci�ncia (sobretudo nos volumes 2 e 3, aos quais Marx n�o deu forma final), de t�o intricada que � a economia capitalista.
Ele por certo pode ser estudado como outros cl�ssicos da ci�ncia do s�culo 19, caso de "A Origem das Esp�cies" e "A Interpreta��o dos Sonhos", livros que qualquer pessoa razoavelmente educada leu. Mas � uma abordagem menos proveitosa porque tende a tratar "O Capital" como um mausol�u.
O Capital - Livro III |
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Foi o que fez o stalinismo. J� a derrocada da URSS, contraditoriamente, tanto marginalizou Marx como o livrou das amarras doutrin�rias. O que o colapso da perspectiva socialista n�o conseguiu foi humanizar o capitalismo, estancar suas crises, impedir que devaste.
Melhor ent�o voltar a "O Capital" pelo o que ele foi e ainda �: cr�tica do modo de produ��o que explora, corrompe e empesteia, transformado o planeta num mercado no qual somos todos mercadorias. Para mudar este mundo � preciso antes entend�-lo.
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