Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conte�do do UOL de 1996 a 2011.
Tempo
� domingo. O celular acorda com 48 mensagens de What'sApp em resposta a uma mensagem fofa que um amigo postou para o grupo de amigas que ele mesmo criou a prop�sito do Dia Internacional da Mulher. Intempestiva, saio do grupo antes de ler todas as respostas que o Marcos recebeu. Preciso fazer outras coisas hoje, n�o quero me distrair desse jeito.
Dia Internacional � para quem precisa. Por isso tenho raiva de datas como o Dia da Mulher. Estou at� com medo de entrar no Facebook. Vai ter aquela lambe��o de egos, imagens edificantes, flores e cor de rosa por toda parte. E eu com vontade de jogar um balde de tinta preta retinta em tudo isso. Querem nos tratar bem? Tratem o ano todo. O Marcos trata, n�o � isso. � que essas datas e essas propagandas servem aos interesses de quem, mesmo?
Pode concluir que estou de mau humor. � justo. Acho que estou mesmo. Estou me sentindo oprimida pelas tens�es temporais. Quero dedicar mais tempo a uma coisa, mas n�o estou conseguindo. Quero dedicar menos tempo a v�rias outras coisas, tamb�m n�o estou conseguindo. H� rel�gios por toda a parte, mas n�o controlo o tempo. Chego atrasada. Assumo mais compromissos do que dou conta. Em resumo: n�o estou conseguindo mesmo, embora tente fazer tudo certinho.
Tenho uma amiga que implica com o uso do ger�ndio. N�o apenas contra o uso impr�prio, como em frases do tipo "estarei fazendo", usado em vez de um simples "farei". Tereza implica com o uso do ger�ndio em geral, que considera excessivo no Brasil. Entendo, mas discordo. Acho o ger�ndio uma forma verbal admir�vel. Do latim gerere: fazer, produzir, executar.
N�o estou conseguindo. Ger�ndio, forma verbal invari�vel. Uma a��o em curso ou express�o de uma circunst�ncia. N�o estou conseguindo. � diferente de n�o consigo. N�o estou conseguindo � menos categ�rico, menos duradouro.
Procuro explica��es objetivas. Leio na Gram�tica de Celso Cunha e Lindley Cintra que a caracter�stica do ger�ndio, assim como das demais formas nominais do verbo (o infinitivo e o partic�pio), � n�o poder exprimir, por si, nem tempo nem modo. Seu valor temporal e modal depende sempre do contexto em que aparece.
No �ltimo s�bado a Folha publicou um texto do New York Times apontando uma tend�ncia global nos esportes, de encurtar o tempo das competi��es esportivas. O objetivo de desenvolver formatos mais compactos � atender ao p�blico jovem, num mundo em que os per�odos de aten��o encolhem e se dispersam em telas de TV, telefone e outras mais.
Esta semana come�a o festival Marina Abramovic de performances art�sticas no Sesc Pompeia, em S�o Paulo. Na divulga��o do aguardado evento, Marina aparece como "a maior" performer do mundo, como se arte fosse uma quest�o de tamanho. Seria mais justo falar em tempo: ela est� com 68 anos, faz performances art�sticas desde o come�o dos anos 1970, ou seja, h� mais de 40 anos, e insiste na import�ncia da longa dura��o de cada trabalho, como caminhar milhares de quil�metros sobre a Muralha da China. Essa insist�ncia em ralentar o tempo �, a meu ver, mais admir�vel do que as rela��es, utilit�rias ou sarc�sticas, que desenvolveu com Lady Gaga, Jay-Z ou a m�dia em geral.
A divuga��o insiste: o festival � "a maior retrospectiva da artista s�rvia j� realizada na Am�rica do Sul" e ainda a "mais abrangente experi�ncia at� hoje aplicada pelo MAI" (Marina Abramovic Institute), instituto este que ainda nem foi aberto em Hudson, ao norte de Nova York, mas "todo mundo" conhece. O p�blico, devidamente inscrito e cadastrado, vai poder testar o m�todo de Marina, que nos �ltimos anos incorporou no trabalho a participa��o de cristais brasileiros.
Muitos v�o falar, mas poucos ir�o suportar, imagino, e espero estar errada. O assunto na vida real � acelerar. A ambi��o � ter a maior rede, a maior velocidade, a maior capacidade, o maior sucesso, a maior grana.
Maior crise, isso sim.
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