Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conte�do do UOL de 1996 a 2011.
Selfie
Algumas semanas atr�s, o fot�grafo Sebasti�o Salgado, 70 anos, se viu impelido a deixar mais cedo a abertura de sua exposi��o "Genesis", no Centro Cultural Banco do Brasil em Bras�lia. A raz�o foi a mania que o p�blico adquiriu de ficar tirando fotos de si mesmos a torto e a direito, em qualquer lugar, sem o menor respeito pelos interesses de quem est� em volta.
"H� seis meses, abri uma exposi��o e as pessoas vinham conversar comigo, pediam um aut�grafo, trocavam ideias. Agora acabou. Cada pessoa te agarra e quer tirar 'selfie'", disse Salgado em entrevista a Isabel Fleck, da Folha. "Bota um telefone ali, � uma agress�o permanente em cima de voc�", desabafou o fot�grafo.
Ser� que o p�blico de Sebasti�o Salgado percebeu que estava incomodando o fot�grafo com seus "selfies"? Se soubesse, ser� que se importaria? Temo que n�o. Suspeito que a maioria acha que o "selfie" � um direito individual incontest�vel. Quem se incomoda que v� procurar sua turma ou que busque se "atualizar".
Num show de m�sica, outro dia, quando Lucas Santtana convidou a p�blico a dan�ar no palco, um rapaz preferiu sacar o celular a se divertir com os outros ali. Tirar uma foto de si mesmo em cima do palco, numa pose congelada em que fingia que estava dan�ando, era mais importante que viver o momento e realmente dan�ar com as pessoas em volta. Uma clara substitui��o de viver o momento por viver uma representa��o do momento presente, para dar a ele uma sobrevida num outro contexto, num outro tempo, num outro espa�o e com outros objetivos.
No �ltimo fim de semana, numa praia nublada no litoral de S�o Paulo, vi o ritual de quatro garotas se fotografando � beira-mar. Penteavam os cabelos com os dedos, puxando as pontas para a frente, congelavam um sorriso, algumas espichavam o bumbum para tr�s, outras faziam sinais positivos com os dedos e clique, clique e mais clique, numa sess�o intermin�vel. Uma heresia para mim, que sou de uma gera��o que recusou o papel de mulher-objeto.
O passeio das garotas se resumiu a isso? Aposto que n�o. O passeio deve ter continuado no Snapchat, no Facebook, no Instagram, no WhatsApp ou onde mais as garotas andaram distribuindo suas fotos, nessa compuls�o que n�o � exclusivamente feminina, nem necessariamente jovem ou puramente urbana.
As pessoas hoje n�o s� assumem o papel de se transformar em garotos-propaganda de si mesmos como encaram as atribui��es de um publicit�rio ou um marqueteiro, dirigindo a cena, at� que um passo em falso ou um amor desprezado estrague tudo espalhando imagens que n�o se quer ver por a�.
O conceito de "self" (o si mesmo) � central na psicologia e existe desde o final do s�culo 19. A representa��o do "self" seria uma constru��o do ego, o eu, o n�cleo de uma personalidade. Mas o que h� de si mesmo nesses "selfies" todos? O que h� de individualidade, de subjetividade, de ess�ncia desse eu que se autofotografa para consumo externo?
Isso me faz pensar nos dist�rbios de personalidade resultantes do descolamento entre o "self" e o ego, ou seja, entre o eu e a representa��o do eu. E me lembra que o "self" grandioso � uma patologia. Essa imagem grandiosa de si mesmo e o exibicionismo s�o comportamentos t�picos dos narcisistas.
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