Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conte�do do UOL de 1996 a 2011.
Jogar para ganhar
Um alarme de carro toca h� horas na rua. �s vezes estou t�o distra�da com meus pensamentos barulhentos que nem reparo que esse maldito alarme continua a tocar. Outras vezes s�o os freios e os motores dos �nibus que param na esquina que encobrem a buzina infernal. Quando volta o sil�ncio, parece que o alarme toca mais alto, desesperado. Para que serve um alarme se o dono do carro n�o � capaz de ouvir? Para acordar os beb�s? Azucrinar os idosos ou os doentes, que est�o em casa? Ou ele acha que vai assustar o ladr�o?
O pulso acelerado do alarme retarda o meu racioc�nio. Fico obsessiva. N�o consigo pensar em mais nada. Chame o ladr�o, alarme, para que ele lhe corte os fios de uma vez por todas e acabe agora com a minha agonia.
J� sei: vou jogar. N�o vou me jogar da janela. Vou jogar. Vou esquecer que tenho prazo para entregar o trabalho e vou jogar. Vou jogar meu jogo favorito, ou vou jogar qualquer coisa, desde que n�o precise me mexer. Desde que n�o tenha de sair de casa, trocar essa roupa, me olhar no espelho, encarar outra pessoa. Vou jogar qualquer coisa, desde que n�o precise me afastar desta tela iluminada. Meu palco, iluminado. Vou jogar qualquer coisa e vou ganhar. Vou ganhar nem que seja na pr�xima rodada. Vou ganhar nem que seja contra o computador. Vou ganhar, mesmo contra um jogador mais fraco. Vou ganhar, nem que tenha de programar esse jogo numa configura��o mais f�cil. Vou ganhar, nem que seja na base da trapa�a. Vou ganhar e vou me sentir vitoriosa. Ou vou trollar algu�m. Vou xingar todo o mundo num f�rum de jogos na internet. Vou desacatar quem ainda joga o jogo que eu j� abandonei ou n�o ganhei. Vou zoar, usando algum apelido qualquer, travestido de um avatar do jogo que eu jogo. Vou fazer um rob� para trollar. Vou observar as rea��es das pessoas �s minhas provoca��es. Vou perseguir quem ousar responder. Depois vou voltar a jogar, vou ganhar e vou relaxar. Vou jogar de novo. Vou subir no ranking. Vou desafiar uns outros. Vou desafiar o campe�o. Vou ganhar e vou ganhar de novo, at� me tornar a campe�, a rainha, a imperadora, a dona do universo virtual, a dona do mundo do meu quarteir�o, do meu quintal, do meu nicho, da minha baia, a rainha da sucata do meu computador, lerdo, � por causa dele que eu perco.
A culpa � dele, do alarme, que voltou a tocar. N�o � poss�vel. Esse cara n�o tem m�e? N�o tem multa para quem deixa o alarme do carro estourado? N�o vai parar nunca mais? N�o vai acabar a bateria? N�o vai chegar a pol�cia? Ningu�m vai fazer nada? Ningu�m est� ouvindo? Ser� que n�o � o alarme de um carro? Ser� de uma casa?
Cad� o fone de ouvido? Vou come�ar de novo. Pronto. J� comecei. E comecei bem. G�nio. Eu sou um g�nio. Espera s� que voc� vai ver. Porra. Pooorrra! Poooorrrraa! N�o � poss�vel. A culpa � da conex�o. Porcaria de internet. A culpa � da telef�nica. Da net. A culpa � da Dilma. A culpa � do Bill Gates. Do Steve Jobs. Do telefone que tocou. Da campainha. A culpa � sua. �bvio. N�o estou com fome nenhuma, n�o adianta insistir. N�o sei que horas s�o. Nem quero saber. Olha voc� no rel�gio. Para de me atrapalhar. Voc� n�o entende? N�o preciso comer. N�o preciso dormir. N�o preciso de nada. Eu s� preciso ganhar.
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