Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conte�do do UOL de 1996 a 2011.
De Lete
Menina, fui cobaia de meu pai quando ele resolveu pintar as teclas das m�quinas de escrever da sua escola para que os alunos aprendessem a datilografar com os dez dedos sem olhar o teclado. A gente tinha de se guiar por um cartaz na parede, que mostrava as cores das teclas e os caracteres correspondentes. Contando assim parece at� complicado, mas na �poca n�o achei.
Sempre gostei de m�quinas de escrever. E de fotografar. S� agora me dou conta disso: de quanto sempre gostei de m�quinas!
Em 1984, quando entrei para a Reda��o da Folha, adotei, feliz, o computador. A principal diferen�a entre o teclado de uma velha m�quina de escrever e um computador � a tecla DELETE. Finalmente eu n�o precisava datilografar novamente p�ginas inteiras quando queria alterar alguma coisa mas fazia quest�o de um resultado final sem rasuras nem emendas.
Comecei a me divertir trocando par�grafos de lugar s� para ver como ficava. Depois vieram as disputas com o corretor ortogr�fico. Eu sempre querendo saber mais do que ele! Com o Excel a mesma coisa: fa�o c�lculos de cabe�a ou apelo a uma calculadora cada vez que desconfio dos resultados do Excel. Por incr�vel que pare�a ele erra. Pergunte a quem usa bastante.
Se tenho nostalgia n�o � exatamente da m�quina de escrever, mas de uma sensa��o amb�gua.
Na Folha da minha mocidade a corrente el�trica variava muito, desligando os computadores. A tela escurecia. Ouviam-se gemidos. Suspiros. Palavr�es. Todo o trabalho de horas que n�o fora arquivado desaparecia para sempre, enquanto o rel�gio marcava o nosso atraso.
Naqueles momentos, passado o desespero inicial, uma extraordin�ria sensa��o de leveza me tomava. Era afinal necess�rio come�ar de novo. Eu n�o estava mais presa ao que escrevera antes. E jamais o novo texto seria igual ao anterior. Por que haveria de ser?
Uma sensa��o de liberdade. Uma desculpa para o esquecimento. Uma oportunidade de mudan�a. Um renascimento mais fluente e apressado poderia surgir.
Hoje o computador se encarrega de salvar automaticamente os documentos que escrevo, eliminando a possibilidade da perda. Uma cesta de lixo virtual d� sobrevida �quilo que decidi apagar. Preciso insistir. Preciso lembrar de reapagar o j� apagado. Preciso deletar o deletado, se quiser impedir que ressuscite quando menos espero e desejo.
Escrevo para lembrar. Mas tamb�m escrevo para poder esquecer. Escrevo para esvaziar a cabe�a e poder dormir. Mas salvo compulsivamente e-mails, arquivos e textos para ler depois. Marco e-mails lidos como n�o lidos. Fantasio que armazenar � o mesmo que memorizar. Quero acreditar que guardar � o mesmo que salvar. Ilus�o.
Sem tempo nem lembran�a de voltar ao que foi arquivado, salvar pode ser o mesmo que matar. �gua abaixo no Lete, o rio m�tico do esquecimento.
Hoje, o mundo est� repleto de back-ups, duplica��es, replica��es, arquivamento em "nuvem": essa met�fora celestial, para�so e inferno da computa��o contempor�nea, com suas promessas e sustos a nos lembrar eternamente que nada � infal�vel. Nem mesmo o fim � infal�vel.
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