![marcos troyjo](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/fotografia/2015/05/21/513511-115x150-1.jpeg)
Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde � professor-adjunto de rela��es internacionais e pol�ticas p�blicas. Escreve �s quartas.
Terrorismo inibe nova Guerra Fria
Quando a R�ssia de Putin, aproveitando-se da crise na Ucr�nia, fez valer a vontade hist�rica de reincorporar a seus dom�nios a enorme regi�o da Crimeia, muitos analistas no Ocidente decretaram o nascimento de uma nova Guerra Fria.
A R�ssia contempor�nea buscaria, � semelhan�a do que fizera a URSS no p�s-Segunda Guerra, uma pol�tica expansionista. Estar�amos fadados ao advento de uma nova Cortina de Ferro.
Nesse cen�rio, a Otan (Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte) teria seriamente de considerar alternativas militares de modo a constranger o apetite de Putin.
Tal necessidade de "conten��o" por parte do Ocidente, aliada a uma interpreta��o das palavras e a��es originadas no Kremlin desde que Putin assenhorou-se do poder na R�ssia, ampararia a tese dos que anteviam uma Guerra Fria 2.0. Tal hip�tese encontraria guarida numa famosa frase de Putin –que h� um tempo classificou o desmantelamento da Uni�o Sovi�tica como o "maior erro estrat�gico do s�culo 20".
Igor Schuvalov, vice-primeiro-ministro russo, refor�ou o tom confrontacionista. Logo ap�s a decreta��o de san��es econ�micas por parte de Washington e Bruxelas a seu pa�s, ele bradou "manda ver" ("bring it on", na tradu��o do russo para o ingl�s).
Stephane de Sakutin - 26.nov.2015/AFP |
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Os presidentes Fran�ois Hollande (esq.) e Vladimir Putin re�nem-se no Kremlin no final de novembro |
Esse estilo desafiador explica-se pela hist�ria da R�ssia –pa�s que, ao longo dos s�culos, teve o que entende por sua soberania territorial afrontada ao Ocidente e ao Oriente, ao sul ou ao norte. Por isso, se h� um pa�s no mundo que sabe aguentar pancada –e tamb�m dar–, este � a R�ssia.
E, de fato, os russos parecem conviver bem com as san��es, assim como assimilaram muitos boicotes durante o conflito bipolar. Um dos bares mais populares de Moscou hoje chama-se San��es, e a hashtag "#sanctions" compila piadas sobre o efeito das limita��es econ�micas sobre o pa�s.
Muito mais impactante � o atual baixo pre�o internacional do barril de petr�leo –o que implica dilacerantes efeitos sobre a renda exportadora russa.
Muitos entusiastas de uma nova Guerra Fria –e EUA, Europa e R�ssia est�o cheios deles– preferem n�o apostar no potencial conflituoso entre as duas superpot�ncias econ�micas do mundo contempor�neo: EUA e China.
Ambos s�o demasiado interdependentes do ponto de vista do com�rcio e dos investimentos. Exporta��es e importa��es entre ambos somam US$ 600 bilh�es. Os EUA s�o o principal destino dos investimentos externos chineses, e vice-versa. E a China aloca cerca de um ter�o de suas imensas reservas cambiais de US$ 4 trilh�es para t�tulos do tesouro norte-americano.
Nesse sentido, em vez de um estranhamento com Pequim, seria muito mais f�cil para o Ocidente vilanizar Putin e nele centrar a figura de principal antagonista geoestrat�gico.
TERRORISMO
No entanto, o recrudescimento do terrorismo internacional nas �ltimas semanas tem aberto grandes janelas de oportunidade para o titular do Kremlin.
O Estado Isl�mico (EI) plantou a rudimentar bomba que levou � derrubada do avi�o russo da Metrojet no Egito e conduziu a virul�ncia do 13 de novembro em Paris. E, pelo que se sabe at� agora, o EI serviu ao menos de inspira��o para os assassinatos de San Bernardino, Calif�rnia, na semana passada.
O flagelo comum do terrorismo, a exist�ncia desse "inimigo" de todos, acaba por reaproximar R�ssia e Ocidente.
Por um lado, o Kremlin de Putin adoraria ver suas diferen�as com EUA e Europa deixadas para tr�s. Se � verdade que sua popularidade interna ganhou muitos pontos com a reincorpora��o da Crimeia, Putin sabe que o continuado apoio popular a seu protagonismo depende de que os russos tenham atendido seu desejo de viver num pa�s "normal".
Isso equivale a dizer que prezam sobremaneira a ideia de estabilidade, seguran�a p�blica e tamb�m maior interc�mbio com o Ocidente. E a luta contra o terrorismo encontra grande eco na R�ssia. Excetuando-se o 11 de Setembro, a R�ssia � o pa�s em que mais ocorreram atentados terroristas nestes �ltimos 20 anos.
Por outro lado, se h� pouco tempo a Fran�a rejeitara continuar a comercializa��o de equipamentos militares de alta performance � Marinha russa, como os navios de guerra da classe Mistral, a recente visita de Fran�ois Hollande a Moscou para tratar de a��es conjuntas no combate ao terror sinaliza uma normaliza��o do relacionamento bilateral.
E muitos outros l�deres europeus apoiam (em sua maioria silenciosamente) os bombardeios que a For�a A�rea russa tem empreendido contra alvos do EI na S�ria.
At� recentemente, Obama e Putin n�o se permitiam encarar-se. O informal "t�te-�-t�te" que os dois mantiveram durante a �ltima reuni�o da G20 na Turquia, contudo, exprime o n�vel de gravidade com que gigantes como EUA e R�ssia abordam o fragment�rio EI –e como est�o dispostos a cooperar no enfrentamento desse pesadelo.
''Os inimigos de meus inimigos s�o meus amigos." Essa conhecida l�gica do jogo estrat�gico est� operando uma inesperada reaproxima��o entre Moscou e as capitais ocidentais.
O terrorismo, assim, funciona como poderoso inibidor do que muitos pareciam acreditar ser uma reedi��o da Guerra Fria.
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