Foi editor da 'Ilustr�ssima'. � autor de 'P�s Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que N�o Terminou'.
Brasil, nosso para�so burocr�tico
Transfiro minhas milhas do cart�o de cr�dito para a TAM. "N�o tenho mais o n�mero do meu cart�o fidelidade, isso � um problema?" –pergunto. "N�o, o sr. pode usar o CPF. Em cinco dias �teis os pontos estar�o dispon�veis na companhia" diz o atendente. Putz... Cinco dias �teis?! Por que?
N�o tem jeitinho. Vai ficar meio em cima da viagem, mas tudo bem, vamos esperar para ver.
Passam-se os cinco dias e no site da empresa a�rea tento recuperar o n�mero do meu cart�o fidelidade usando o CPF. Um robozinho diz que v�o me mandar por e-mail. Vejo ent�o que meu endere�o de e-mail cadastrado � antigo e n�o funciona mais.
Simples: vou atualizar o endere�o de e-mail no meu cadastro –e pronto.
Mas n�o h� op��o para isso. Vamos ent�o ao velho telefone.
Atende aquela del�cia de pessoa pr�-gravada que me oferece tudo, menos o que preciso. Consigo, enfim, falar com um atendente. A liga��o cai. Tento de novo, sou atendido, e fico sabendo que n�o � poss�vel passar o n�mero do meu cart�o por telefone. "Por que n�o?! "O cart�o � meu, as milhas s�o minhas e eu preciso viajar. "� para sua pr�pria seguran�a, sr.", explica a atendente.
Reclamo e ela vai consultar algu�m. "Acho que vou conseguir; algum ser pensante vai permitir que eu tenha o n�mero do meu cart�o. "Sr., de fato n�o podemos passar o n�mero. Mas o sr. pode mudar o endere�o de e-mail no site"...
S� que para isso eu teria que fazer um cadastro novo, e esperar dois dias �teis para receber o n�mero.
Ok, eu mere�o. Para "minha seguran�a" a burocracia obrigou-me a pagar pelas passagens. N�o pude usar as milhas.
Burocracia, diga-se, de empresas privadas, que sempre proclamam sua maior efici�ncia na compara��o com os embara�os do Estado.
Bem, aqui n�o � preciso sair da cama para conseguir ser menos burocr�tico e irracional do que o setor p�blico.
Para encerrar a hist�ria, comprei as passagens com cart�o de cr�dito. E a compra foi recusada pela operadora... claro, para minha seguran�a.
Prevalece entre n�s uma ideia de efici�ncia voltada antes para a prote��o da lucratividade da empresa do que para os interesses do consumidor –ou do contribuinte, ou do cidad�o, quando se trata de esfera p�blica.
A pretexto de conter fraudes e evitar corrup��o (s� rindo), deixa-se o cliente em situa��o de risco ou enredado em exig�ncias. Quem j� n�o teve um cart�o bloqueado, em situa��o cr�tica, quando precisava fazer um pagamento? E isso aconteceu no exterior?
As pessoas s�o tratadas como suspeitas pelo Estado e pelas empresas. Somos sempre potenciais fraudadores e n�o potenciais seres honestos –como seria b�sico em sociedade mais civilizada e eficiente, na qual o mercado disputaria o consumidor, tratando-o muito bem– mesmo porque ele seria protegido por direitos que valem de verdade. E o Estado, por sua vez, livre desse nosso entulho ib�rico, facilitaria os procedimentos, intrometendo-se o menos poss�vel na vida e nas decis�es das pessoas.
� plaus�vel que a precariedade da seguran�a p�blica e da Justi�a, sob a forma de impunidade, tamb�m tenha alguma coisa a ver com isso. J� que n�o se reprimir� e punir� a fraude, � melhor preveni-la ao extremo surrealista. Burocracia elaborando a partir de burocracia num processo incont�vel de adi��o de carimbos, selos, estampilhas.
Brasil, o para�so disso.
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