O impacto da alta mortalidade por Covid-19 é inquestionável. Mundialmente, quedas na esperança de vida ao nascer em 2020, 2021 ou ambos os anos foram observadas na grande maioria dos países (uma exceção é a Austrália). No entanto, o impacto não se limita às mortes por Covid-19, mas também aos efeitos indiretos sobre outras causas de morte.
Por um lado, comorbidades ou condições específicas aumentam o risco de morrer por Covid-19, como câncer, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, diabetes, hipertensão, transtornos mentais e comportamentais, obesidade, gravidez, doenças pulmonares e doenças do sistema renal. Portanto, as mortes por Covid-19 podem levar à redução da mortalidade por essas causas no curto prazo.
Por outro lado, algumas causas podem ter tido um excesso de mortalidade durante a pandemia devido às consequências da Covid longa, interrupções na atenção básica e ações preventivas, atendimento inadequado (escassez de equipamentos, pessoal e falta de leitos), aumento da má nutrição, redução da prática de exercícios físicos, diagnóstico tardio, e potenciais consequências decorrentes da perda de emprego e redução de laços sociais.
No Brasil, a pandemia afetou o padrão de mortalidade de várias outras causas de morte. Trago aqui resultados de uma análise feita em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais em que analisamos a taxa de mortalidade por grupos de causas de morte para o período de janeiro de 2010 a dezembro de 2021.
Observamos um aumento nas taxas de mortalidade por gravidez, parto e puerpério, diabetes, hipertensão arterial e doenças renais. A tendência de declínio das taxas de mortalidade por transtornos mentais se reverteu, e flutuações típicas nas taxas de mortalidade por gripe, pneumonia e outras doenças respiratórias não foram observadas. Além disso, houve redução para grupos de causas relacionadas ao sistema digestivo, rim e sistema urinário, neoplasias e coração e acidente vascular cerebral.
Essas mudanças não foram uniformes. Por exemplo, o aumento das taxas de mortalidade por transtornos mentais e comportamentais foi mais acentuado entre homens na região Nordeste. Além disso, enquanto mortes por doenças cardiovasculares aumentaram nos EUA durante a pandemia, no Brasil houve redução.
Essas mudanças permitem detalhar a variação da esperança de vida ao nascer durante a pandemia. Entre 2019 e 2021, o Brasil teve uma redução de 3,23 anos na esperança de vida. Esse valor é o saldo entre o efeito negativo das mortes por Covid-19 (3,66 anos) e o efeito positivo de todas as outras causas combinadas (0,43 anos).
Houve, entretanto, grupos específicos de causa de morte que tiveram um efeito negativo na esperança de vida (além da Covid-19), exatamente aqueles cujas taxas de mortalidade aumentaram. O maior efeito foi o das mortes por hipertensão arterial (0,08 anos).
Projeções Populacionais das Nações Unidas indicam que o Brasil retornará em 2023 aos níveis de mortalidade observados antes da pandemia. Entretanto, permanece a incerteza sobre a magnitude e a duração das consequências da Covid longa e do aumento da pobreza e da fome.
Ações que promovam a equidade, normalizem atendimentos e serviços que foram interrompidos durante a pandemia e melhorem o atendimento à saúde mental são fundamentais para mitigar as consequências indiretas da Covid-19 em outras causas de morte.
Acima de tudo, fortalecer a atenção básica, a vigilância e o uso da informação para guiar políticas e programas é um investimento necessário para garantir a melhoria da saúde da população e a sustentabilidade futura do SUS.
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