Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Em 2022, mais empatia e respeito à vida

Na pandemia crianças adoeceram; um governo que se importa com a vida teria pressa em mudar esse cenário com a vacinação

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Vinte e dois meses se passaram desde a primeira morte confirmada por Covid-19 no Brasil. Durante este período, o governo federal foi protagonista de um show de horrores marcado pelo desgoverno, negacionismo, ataque à democracia, desrespeito à vida e propagação de desinformação.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid expôs estes e outros crimes em seu relatório aprovado em outubro. A punição dos indiciados depende da Procuradoria-Geral da República e avança com lentidão. Enquanto isso, o show de horrores continua.

A mais recente barbaridade se refere à vacinação contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade. A vacina em questão é a Comirnaty, desenvolvida pela Pfizer-BioNTech, com segurança e eficácia demonstradas em ensaios clínicos, e já aprovada para uso nos Estados Unidos, Canadá, União Europeia e Reino Unido, dentre outros.

Vacinação de crianças contra Covid-19 nos EUA, em novembro deste ano - Jon Cherry/Reuters

Mais de 6 milhões de crianças já foram vacinadas nos Estados Unidos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em 16 de dezembro, a indicação da Comirnaty para uso em crianças de 5 a 11 anos e, no dia seguinte, a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (CTAI Covid-19) foi favorável à incorporação da vacina —a CTAI Covid-19 foi criada pelo Ministério da Saúde em agosto de 2021 para avaliar aspectos técnicos e científicos na adoção de medidas para o enfrentamento à Covid-19.

O esperado após esses pareceres seria o Ministério da Saúde aprovar a vacinação, tal como foi feito com Coronavac, AstraZeneca, Janssen e Pfizer. Entretanto, o que se viu foi o questionamento infundado do presidente sobre a segurança da vacina, seguida de intimidação a funcionários da Anvisa. O ministro da saúde, em total sintonia com o presidente, adiou a decisão argumentando não haver pressa na aprovação uma vez que óbitos de crianças por Covid-19 estariam "dentro de um patamar que não implica decisões emergenciais".

Uma semana após o parecer da Anvisa, o ministro indicou que a vacinação de crianças não seria compulsória e estaria atrelada à apresentação de prescrição médica. A decisão final, porém, será feita apenas no dia 5 de janeiro de 2022. Antes, foi aberta uma consulta pública.

Nada disso faz sentido!

Primeiro, do começo da pandemia até o final de novembro de 2021, foram mais de 6.100 casos de Covid-19 entre crianças de 5 a 11 anos, 23% destes tiveram Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica associada à Covid-19 e 301 morreram. A Covid-19 mata mais crianças do que qualquer outra doença evitável por vacina no Brasil. Este é um patamar inaceitável, pois qualquer morte evitável é inaceitável!

Segundo, por que consulta pública para a vacina e não para a cloroquina? Essa é mais uma estratégia deliberada de dar espaço ao negacionismo, criando uma falsa impressão de que há discordância sobre a segurança da vacina, confundindo a população, gerando desconfiança na ciência e, acima de tudo, é uma perpetuação dos crimes apontados pela CPI da Covid.

Terceiro, exigir prescrição médica é ignorar as desigualdades regionais no acesso a serviços e, portanto, deliberadamente dificultar que as crianças mais vulneráveis possam ser vacinadas. Os secretários estaduais de saúde, reconhecendo o total absurdo na recomendação do ministério, já indicaram que a vacinação será compulsória.

Durante a pandemia crianças adoeceram, morreram, ficaram órfãs, e não puderam ir à escola. Um governo que de fato se importasse com a vida teria pressa em mudar esse cenário através da vacinação.

Em 2022, mais empatia! E que a população participe da mais importante consulta pública da nação, as eleições de outubro, e escolha uma liderança que respeite a verdade, a democracia e a vida.

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