No momento em que escrevo esta coluna, a cidade ucraniana de Lviv está sob ataque do exército russo, mas ainda serve de ligação entre o seu país e o resto da Europa. A metrópole de 700 mil habitantes, que já foi polonesa (Lwów) e austro-húngara (Lemberg), não costuma frequentar as manchetes internacionais, mas tem uma história rica de mais de 750 anos.
Lviv também tem um lugar especial nos anais da ciência, por ter albergado, nos anos 1930, uma das escolas de matemática mais brilhantes que a Europa já viu, com astros como H. Steinhaus, S. Banach, K. Kuratowski, J. Schauder, S. Mazur, K. Borsuk, S. Ulam e M. Kac, entre outros. É um conto de dois cafés.
O conto começa no Café Roma, próximo da universidade. Era lá que o grupo se juntava após as reuniões semanais da Sociedade Polonesa de Matemática, para horas de discussão sobre teoria dos conjuntos, topologia geral, análise funcional e outros temas, acompanhada de uma xícara de chá ou café. Assim se forjou um ambiente colaborativo que parece natural hoje, mas era incomum na pesquisa matemática da época.
Embora o consumo no Café fosse frugal, nem sempre era fácil pagar a conta, sobretudo lá para o final do mês... Um dia, chateado com a dificuldade para obter crédito no Roma, Banach decidiu mudar a reunião para o Café Escocês, a 20 metros de distância, onde o grupo continuou colaborando na resolução de problemas matemáticos.
Ulam conta que as mesas tinham tampos de mármore, onde era possível escrever diretamente com lápis. Mas a esposa de Banach não apreciava essa bagunça, pelo que em 1935 providenciou um caderno grande para que anotassem os problemas e as soluções, de modo a que não fossem esquecidos. O Livro Escocês, como ficou conhecido, é um documento matemático quase lendário.
Ele contém duas centenas de problemas, dos quais cerca de 1/4 ainda não estão resolvidos. O caderno era mantido no Café, sob a guarda de um garçom que o trazia às mesas sempre que solicitado. Havia prêmios para a solução de alguns problemas. O número 153, por exemplo, foi resolvido em 1972 pelo sueco Per Enflo, que assim fez jus à premiação: um ganso vivo, que Mazur financiou e lhe entregou pessoalmente em cerimônia televisada para toda a Polônia.
Semana que vem continuarei falando sobre Lviv e o Livro Escocês.
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