� economista do BNDES. O artigo n�o reflete necessariamente a opini�o do banco.
Divididos pela educa��o
O Brasil vive um per�odo conflituoso. Apesar do clima desagrad�vel, � bom que as diverg�ncias aflorem. Da �ltima vez que isso ocorreu t�o intensamente, acabou na ditadura militar. Por�m agora a democracia � mais s�lida do que a instalada em 1946.
Assim, � poss�vel explorar temas indigestos, � direita e � esquerda. Por exemplo, no Brasil �s vezes parece que � uma deseleg�ncia falar da brutal heran�a da escravid�o.
Isso � coisa antiga. No cl�ssico texto "As ideias fora do lugar", o professor Roberto Schwarz trata de uma elite que no s�culo 19 se julgava liberal, mas convivia com o trabalho escravo. Atualmente, a elite brasileira clama por "meritocracia".
Para entender a dificuldade do conceito, vale olhar para as reformas educacionais da primeira metade do s�culo 20. Isso permite ver que a longeva e profunda divis�o do pa�s se expressa al�m dos indicadores de concentra��o de renda e riqueza.
No in�cio da d�cada de 1930, as chamadas "reformas Francisco Campos" pela primeira vez tentaram nacionalmente atacar distintos n�veis de ensino: o superior, o secund�rio, al�m do curso comercial. � eloquente que, num pa�s em que cerca de dois ter�os da popula��o adulta era analfabeta, o �nico n�vel deixado de fora tenha sido o prim�rio!
Para piorar, o secund�rio, que nos moldes atuais come�ava na segunda fase do ensino fundamental, passou a ter obrigatoriamente um "exame de admiss�o". Esse foi um mecanismo de restri��o ao acesso incompat�vel com um n�vel t�o b�sico de educa��o, que aterrorizou v�rias gera��es de pr�-adolescentes at� 1971.
A prioridade era propiciar uma educa��o de mais qualidade a quem tinha uma condi��o de partida melhor. Nessa �poca, foram criadas a USP e a Universidade do Brasil (atual UFRJ). Depois, consolidou-se um sistema universit�rio p�blico de relativa qualidade, por�m limitado a um percentual �nfimo da popula��o.
Nos anos 1940, a "reforma Capanema" separou o ent�o secund�rio entre o gin�sio e um novo secund�rio, chamado de colegial e dividido entre cient�fico e cl�ssico, e enfatizou o ensino profissional, tendo criado o Senai. A industrializa��o se acelerava, exigindo m�o de obra para atividades novas no pa�s.
Nesse contexto, seria razo�vel que a prioridade fosse alfabetizar e propiciar treinamento voltado �s necessidades do setor produtivo. Podendo obter empregos industriais ou urbanos de alta produtividade, uma pessoa rec�m-emigrada do campo teria expressivos ganhos de renda, o que lhe permitiria propiciar aos seus filhos melhores oportunidades educacionais.
Isso de fato aconteceu, mas foi comum somente entre os descendentes de imigrantes volunt�rios, que vinham de pa�ses menos desiguais e que j� tinham uma educa��o fundamental mais robusta.
A maioria da popula��o, descendente de gera��es que estiveram por mais de tr�s s�culos sob escravid�o, sem nenhum acesso � educa��o formal, n�o tinha como competir pelo direito de trilhar uma forma��o educacional t�o restrita.
O problema � que faltou um esfor�o nacional para universalizar o prim�rio em duas ou tr�s d�cadas (e posteriormente os n�veis seguintes da educa��o b�sica), o que s� foi ocorrer para valer a partir da Constitui��o de 1988.
Num pa�s em que a renda per capita n�o � alta, h� uma limita��o estrutural de recursos para estabelecer um sistema p�blico de educa��o. Contudo, houve tamb�m falta de prioriza��o. A Constitui��o de 1934, por exemplo, sob press�o da igreja, deu isen��es tribut�rias �s escolas particulares. Hoje, h� isen��es de IR para gastos com educa��o. Na pr�tica, isso significa um financiamento p�blico da educa��o privada, que tende a refor�ar a dualidade de acesso ao ensino entre as classes sociais.
Essa dualidade evidencia que a meritocracia � uma ideia trai�oeira. � claro que h� m�rito em hist�rias individuais e familiares daqueles que h� duas ou tr�s gera��es tiveram forte ascens�o social. Entretanto, como grupo, � dif�cil mostrar que a elite nacional se estabeleceu como tal principalmente pelo m�rito.
Ao menos no Brasil, o combate � desigualdade -de renda, na educa��o etc.- � tamb�m uma iniciativa pr�-mercado, que visa a estancar o desperd�cio de talentos e, com isso, aumentar a competi��o pelas melhores posi��es em diversos aspectos da vida coletiva. Assim, no futuro a elite nativa poderemos nos considerar algo mais que privilegiados.
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