� economista do BNDES. O artigo n�o reflete necessariamente a opini�o do banco.
O obitu�rio de Myrdal
Uma das coisas que mais gosto de ler na Folha � a se��o de obitu�rios. Eles, paradoxalmente, proporcionam al�vio no meio dos conflitos que ocupam o espa�o primordial de um jornal.
Em geral, tratam de pessoas pouco conhecidas, mas que deixaram uma marca: o cozinheiro querido de uma fam�lia paulistana, o jovem professor de carat� que n�o suportou a perda da m�e, uma senhora de Mococa, que morreu no dia em que voltou da realiza��o do sonho de conhecer Paris etc.
Obitu�rios tamb�m d�o um sentido da perfei��o da vida. "Perfeito" � uma palavra formada pelo prefixo "per", que significa "ao longo de", e pelo partic�pio do verbo "fazer", isto �, "feito ao longo". No sentido de aus�ncia de falhas, a perfei��o exige paci�ncia, repeti��o e esmero. Uma vida se faz ao longo de si mesma. Assim, s� pode ser perfeita quando acaba. Talvez venha da� a beleza de um obitu�rio.
Ao escrever a coluna "As raz�es da esquerda", de 16/1/2014, deparei-me no "New York Times" com um obitu�rio do economista sueco Gunnar Myrdal (http://www.nytimes.com/1987/05/18/obituaries/gunnar
myrdal-analyst-of-race-crisis-dies.html), cujos principais aspectos s�o livremente retratados a seguir.
Myrdal teve forma��o com forte base quantitativa e foi, nos anos 1920, um dos fundadores em Londres da Sociedade de Econometria. Mais tarde, por�m, apontou que o movimento errava ao ignorar a quest�o da distribui��o da riqueza e por n�o notar aspectos t�cnicos como "correla��es n�o s�o explica��es".
Em 1930, aos 31 anos, em seu primeiro livro, "Aspectos pol�ticos da teoria econ�mica", Myrdal reafirma sua disposi��o para o embate intelectual e pol�tico, advogando que a ortodoxia distorce a teoria e a l�gica para defender o status quo.
N�o � toa costumava ser depreciativamente tido por economistas ortodoxos como um soci�logo. No entanto, ganhou em 1974 o Pr�mio Nobel de Economia, que numa decis�o salom�nica foi divido com o conservador austr�aco Friedrich Hayek.
Em 1976, disse que foi surpreendido pela premia��o e que deveria t�-la recusado, pregando sua extin��o, pois, como uma ci�ncia "leve", a economia � carregada de ju�zos morais. Os economistas s�o influenciados por seus vieses sociais e tendem a errar quando reduzem a economia a n�meros abstratos.
Na Su�cia, nos anos 1930, Myrdal, juntamente com sua mulher, Alva (premiada com o Nobel da Paz em 1982 por seus esfor�os desarmamentistas), ajudou a desenhar o Estado de bem-estar social que faz do pa�s um exemplo de riqueza e igualdade e de equil�brio entre est�mulos de competi��o (t�pica do capitalismo) e coopera��o, que precisou ser politicamente constru�da.
Teve que defend�-lo de toda a sorte de cr�ticas, desde um argumento convencional de que o aumento dos sal�rios e a diminui��o dos lucros em rela��o ao PIB reduziriam o investimento e o crescimento industrial, o que � desmentido pela r�pida recupera��o sueca nos anos 1930 e pela for�a em geral de seu capitalismo, at� a tese de que a Su�cia teria a maior taxa de suic�dio do mundo em raz�o da seguran�a material de sua popula��o. A resist�ncia ideol�gica a uma sociedade mais igualit�ria � capaz de trilhar caminhos tortuosos...
Em 1944, lan�ou o livro "Um Dilema Americano: Problema Racial e Democracia Moderna", que dez anos depois foi citado na hist�rica decis�o da Suprema Corte americana sobre a inconstitucionalidade da separa��o racial nas escolas p�blicas.
Myrdal admirava os EUA e acreditava que seus ideais de funda��o superariam a discrimina��o em pouco tempo. Para tanto, reduzir a desigualdade era crucial.
Um pouco antes de morrer, em 1987, no fim da era Reagan, admitiu-se um tanto desesperan�oso acerca do sucesso de sua previs�o. Por�m tal erro fala mais da dificuldade de sua luta do que de uma defici�ncia constitutiva de sua aposta.
No fim dos anos 1950, centrou preocupa��es na pobreza no Terceiro Mundo, em especial na Indochina, defendendo a tese de que h� uma causalidade m�tua na qual a defici�ncia educacional e a estrutura social pioram a pobreza e vice-versa. Reforma agr�ria e redu��o das desigualdades de renda eram pr�-requisitos para erradicar o problema.
Acusado de "burgu�s reformista" pela esquerda socialista, Myrdal trabalhou na ONU (1947-57) tentando melhorar as rela��es entre leste e oeste na Europa.
Hoje, � um her�i da esquerda (democr�tica e capitalista) que anda esquecido. Record�-lo � um b�lsamo.
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