� economista do BNDES. O artigo n�o reflete necessariamente a opini�o do banco.
As raz�es da esquerda
Assisti no final de 2013 a uma apresenta��o de um economista heterodoxo em um centro de estudos liberal, numa ocasi�o incomum de debate econ�mico plural. N�o cito nomes porque o evento foi restrito.
Um competente professor ortodoxo destacou que o baixo desemprego atual n�o � novidade nem surpreende. Como o mercado de trabalho brasileiro � muito flex�vel, essa � a regra. A exce��o foi a d�cada de 1990, gra�as � conjuga��o da abertura comercial ampla (e abrupta, acrescento) com baixo crescimento.
O objetivo era destacar que nos �ltimos 11 anos n�o houve um grande feito. Involuntariamente, por�m, o coment�rio ilustrou um dos motivos do sucesso eleitoral do PT: a compara��o com os anos 1990, �poca que em termos de emprego foi pior at� que os 1980, a "d�cada perdida".
Vale explorar a ironia da situa��o.
O Brasil tem, sim, vivido algo novo. N�o houve s� queda do desemprego, mas distribui��o de renda, eleva��o do sal�rio m�nimo e da formaliza��o do trabalho. Ao contr�rio do que marcou a industrializa��o no s�culo 20, a l�gica foi distribuir para crescer, o que permitiu come�ar a eliminar o abismo social do pa�s.
Contudo, deve-se dar certa raz�o ao referido professor. Al�m da desacelera��o dos �ltimos tr�s anos, tais mudan�as ainda s�o limitadas. Por exemplo, o Bolsa Fam�lia, um dos s�mbolos do per�odo, � uma iniciativa de origem liberal, que visava ser alternativa ao Estado de Bem-Estar Social: garanta uma renda m�nima e deixe o mercado resolver o resto. O estrondoso sucesso do programa e a resist�ncia que at� hoje enfrenta em parte da elite brasileira s�o sintomas do atraso nacional.
Por isso, as colunas de 25/7 e 1�/8/2013 tentaram estabelecer diferen�as e pontes entre cren�as e pensamentos da esquerda e da direita. Hoje, o intuito � aprofundar as raz�es da esquerda, expor por que o avan�o ocorrido � insuficiente.
O objetivo � ter uma sociedade mais igualit�ria. Os sal�rios precisam crescer mais que os lucros e as rendas. Tamb�m precisa despencar o desn�vel de rendimentos entre trabalhadores bra�ais e com curso superior. Oper�rios, prestadores de servi�os, pe�es etc. precisam ganhar 40%, 50% ou 60% do que recebem m�dicos, engenheiros ou economistas, em vez dos atuais 5% ou 10%.
Se � desej�vel ter incentivos para quem produz conhecimentos ou traz inova��es para a sociedade, tamb�m � certo que nada no mundo funcionaria n�o fosse a massa de trabalhadores da base da for�a produtiva. Assim, grande parte do PIB deve ser partilhada igualmente.
No capitalismo, o esfor�o igualit�rio foi feito por meio de instrumentos do Estado de Bem-Estar Social, que incluem a presta��o de servi�os p�blicos, como educa��o, sa�de e mobilidade urbana, e uma rede de prote��o social associada � previd�ncia e a um robusto seguro-desemprego, al�m da renda m�nima.
H� nisso poderosos efeitos expansivos e econ�micos em geral: o consumo massivo induziu novos padr�es produtivos e tecnol�gicos. Mas essa foi uma constru��o eminentemente pol�tica, baseada em ideais progressistas ou premida pelo temor de revoltas socialistas.
H� quest�es pertinentes quanto � sustenta��o do modelo. Por exemplo, Let�cia Guedes, filha de um amigo diplomata que serviu em Estocolmo, disse que n�o sabia por que algu�m estuda medicina na Su�cia, se n�o vai ganhar muito mais que um atendente de loja. O pai respondeu que n�o se estuda s� por dinheiro.
Claro que se pode discutir e calibrar aspectos do Estado de Bem-Estar Social. No entanto, numa avalia��o geral, � certo que isso n�o tem atrapalhado a igualit�ria e rica Su�cia, que com somente 10 milh�es de habitantes criou v�rias empresas globais: Volvo, Scania, Ericsson, Electrolux etc. (evo�, Myrdal!).
No Brasil, nem de longe se verificam desincentivos ao trabalho. Inibiu-se, sim, a explora��o, como a de empregados dom�sticos, que passaram a poder deixar de aceitar remunera��es irris�rias porque precisam obter minimamente a subsist�ncia. Uma sociedade menos desigual favorece as liberdades individuais.
Para dar um novo salto, o pa�s precisa que a distribui��o de renda ocorra pelo trabalho. N�o bastam desemprego baixo e um bem-sucedido programa de renda m�nima. � preciso que se reforcem mutuamente a prioridade pol�tica � igualdade e um crescimento robusto, que torne a m�o de obra relativamente mais escassa, favorecendo seu poder de barganha.
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