� economista do BNDES. O artigo n�o reflete necessariamente a opini�o do banco.
Fosse eu um m�dico cubano...
Viria para o Brasil, independentemente de ser contra ou a favor do regime castrista.
Fosse um ardoroso e idealista defensor da revolu��o -daqueles cujos pais ensinaram que antes dela, entre outras conquistas, um mulato estava condenado a um trabalho subalterno-, viria para propagar um de seus grandes feitos: mostrar que a aten��o prim�ria � sa�de � a de maior resolutividade.
Viria para mostrar que as prioridades podem ser diferentes das que frequentemente o Brasil faz. Em Cuba, mesmo com uma renda per capita baixa e uma infraestrutura de sa�de prec�ria, a popula��o � bem atendida no que h� de mais importante. N�o � toa, a expectativa de vida � de quase 80 anos. Com o dobro de renda, a brasileira � 74 anos. O tratamento de c�ncer pode ser pior que no Brasil. Contudo, n�o se morre de diarreia por falta de m�dico perto de casa. � bom um pa�s ter hospitais de gabarito, por�m n�o pode faltar pediatra nos postos de sa�de.
Viria ficar uns anos no Brasil, aprender portugu�s para ler Saramago e Guimar�es Rosa no original. Aproveitaria para assistir a novelas que s� passar�o em Cuba depois de meu regresso, dando-me a chance de me deleitar com a curiosidade alheia.
Fosse, de outra forma, um tipo mais ordin�rio, que s� quer fazer o seu trabalho, ter um bom sal�rio e poder escolher o que fazer da vida, tamb�m viria para o Brasil.
Vida de m�dico em Cuba n�o � f�cil. Outro dia, sem dinheiro e com trabalho �rduo, uma colega disse que nem podia reclamar tanto, pois, apesar de ela ser m�dica, ao menos tem a sorte de seu marido ser guia tur�stico. Fiquei me achando um bobo, mas n�o vituperei contra os guias. Apenas disse que � triste viver num pa�s em que as melhores profiss�es s�o as que ganham gorjetas.
Viria porque faz tempo que penso nessa possibilidade. H� alguns anos uma galega, m�dica brasileira, fez-me juras, daquelas que se faz para um amor intenso e marcado para acabar em algumas semanas de f�rias, e disse que desejava que o Brasil contratasse m�dicos cubanos para onde faltam m�dicos no pa�s. "Poder�amos nos ver sempre, querido." Meio irritado, perguntei se esses lugares n�o s�o longe de sua cidade, o Rio de Janeiro. "Em geral sim, amor. Mas faltam m�dicos em muitos lugares do Brasil, inclusive nas periferias das metr�poles."
Disseram-me que no Brasil h� gente preocupada com o sal�rio que sobrar� para mim, ap�s os impostos cubanos. Agrade�o e tor�o para que isso fa�a o governo brasileiro negociar com os irm�os Castro para que eu receba ao menos metade dos R$ 10 mil que o Brasil pagar� de sal�rio. De qualquer maneira, ganharei bem melhor do que em Cuba e quero ganhar mais. S� que sem ter ilus�es.
Esse � um neg�cio de ocasi�o, um encontro de duas situa��es adversas: brasileiros que vivem em regi�es onde � dif�cil fixar m�dicos e m�dicos cubanos que querem de algum jeito sair de uma ditadura.
Parece que tamb�m est�o preocupados que eu tenha que voltar para Cuba contra minha vontade ap�s os tr�s anos de contrato. Dei risada ao saber disso. Sem ofensas, � engra�ado algu�m estar preocupado com a possibilidade de eu ser obrigado a voltar para uma ditadura antes mesmo de eu ter conseguido sair dela.
Sei que os Castro t�m amigos no governo brasileiro. Do contr�rio, nem haveria o programa. Mas j� pensou se algu�m tivesse garantido que os cubanos poder�o ficar no Brasil? Ningu�m sa�a de Cuba.
Em tr�s anos, muita coisa acontece. Posso me casar com uma brasileira ou ter filho no pa�s. Asilo pol�tico n�o � coisa que se decida de antem�o.
Tamb�m posso fazer a prova de revalida��o do diploma para poder clinicar sem restri��o no Brasil. Sei que essas provas s�o feitas para quase ningu�m passar. No entanto, em Cuba, como diz uma express�o popular, m�dico tem que "se virar nas dez" (posi��es do beisebol). Depois de aprender o portugu�s, estudo e passo.
*
N�o sou um m�dico cubano, e sim um brasileiro privilegiado. Quero dar boas-vindas e desde j� agradecer �queles que, por um ou outro motivo, decidiram vir para o Brasil ajudar a combater um problema grave do meu pa�s.
Dedico a coluna a Elisa, minha mulher, que � m�dica e favor�vel ao Mais M�dicos.
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