� economista do BNDES. O artigo n�o reflete necessariamente a opini�o do banco.
A for�a do ideal
Esta coluna frequentemente tenta mostrar que as disputas entre os c�nones do pensamento econ�mico n�o costumam ser resolvidas.
Distintamente das ci�ncias naturais, a complexidade e o car�ter aberto do seu objeto fazem com que, em geral, as hip�teses econ�micas n�o possam ser submetidas a testes laboratoriais.
Com isso, nos �ltimos s�culos, o debate econ�mico pouco mudou. E assim deve continuar, j� que suas fundamenta��es remontam � uma disputa de mil�nios, desde o florescimento da filosofia grega.
Na Gr�cia Antiga, havia uma oposi��o entre quem enxergava como marca fundamental da realidade a fluidez do "eterno devir" --expressa na bela met�fora de Her�clito, "ningu�m se banha duas vezes no mesmo rio"-- e os que enfatizavam a busca pelo que h� de permanente no mundo.
Plat�o foi o expoente da �ltima corrente, que se tornou predominante, pregando que as coisas deste mundo s�o imperfeitas e distorcidas pelas conting�ncias. Para conhec�-lo, � melhor olhar para um outro mundo, onde est�o as formas perfeitas (ideias), que correspondem a cada uma dessas coisas.
Esse expediente foi �til. A ideia plat�nica � o que entendemos por conceito. Al�m disso, Plat�o talvez s� quisesse enfatizar algo bem sensato, que n�o h� experi�ncia separada do uso da raz�o.
Contudo, no Ocidente, int�rpretes de Plat�o acabaram levando a um afastamento entre raz�o e dados sensoriais, o que est� na raiz das abordagens econ�micas ortodoxas, como: a no��o de que o crescimento � uma consequ�ncia quase autom�tica de estabelecer suas ditas condi��es (infraestrutura eficiente, infla��o baixa etc.) ou a de que programas de renda m�nima desincentivariam o trabalho. Pouco importa se o Bolsa Fam�lia � um sucesso: os sentidos nos enganam.
Numa vis�o empirista, n�o � que racionaliza��es sejam sem serventia. Elas destacam mecanismos coerentes e exercitam bem as dedu��es.
Contudo, dedu��es n�o produzem conhecimento, garantindo apenas que, se suas hip�teses forem corretas, suas consequ�ncias tamb�m o ser�o. Mais importante, as idealiza��es tendem a tornar o pensamento artificial e pouco �til. � como no amor plat�nico, que � de uma perfei��o tal que n�o o vivemos, s� o contemplamos.
Outro exemplo desse artificialismo � o modelo de concorr�ncia perfeita e equil�brio geral, que fundamenta o pensamento e recomenda��es da ortodoxia.
Entre seus pressupostos, est�o a presen�a de firmas pequenas, que produzem bens homog�neos, em mercados com ampla mobilidade de capital e trabalho. Isso destaca algo importante para entender a economia, que � o papel da competi��o na aloca��o dos fatores produtivos.
Por�m, s�o neutralizados outros ingredientes cruciais da competi��o capitalista: a busca pela diferencia��o e o poder de mercado. Assim, em vez de mostrar o papel das inova��es, a concorr�ncia "perfeita" destaca algo contraintuitivo, que a longo prazo pre�os e sal�rios se fixariam nos n�veis de seus custos de produ��o.
Al�m disso, como tais hip�teses n�o correspondem � realidade, as recomenda��es de pol�tica s�o adaptar a �ltima �s primeiras: as "reformas", como a flexibiliza��o do mercado de trabalho, s�o exemplo disso. Os economistas teriam a tarefa de mostrar �s pessoas a ess�ncia dos mecanismos econ�micos. Esse aprendizado permitiria estabelecer as condi��es que garantiriam o crescimento equilibrado.
O empirismo n�o afasta a raz�o e admite que as percep��es da realidade podem ser enganosas. Por�m, n�o h� como escapar delas. Na economia, isso significa, por exemplo, que no caminho do desenvolvimento h�, sim, desequil�brios.
Por exemplo: � preciso que a renda per capita cres�a para que existam recursos para investir em infraestrutura. Mas, num primeiro momento, as pessoas, tendo mais recursos, enchem as ruas de carros. De forma parecida, se os juros caem e o c�mbio se deprecia, � esperado que a infla��o fique mais alta por um tempo.
O jeito � buscar corrigir os contratempos, com mais investimento e crescimento. � certo que tolerar desequil�brios n�o garante que o crescimento ser� sustentado, mas n�o vale a pena sufoc�-lo no presente em nome de uma idealiza��o dos mecanismos econ�micos, que, no futuro, supostamente garantiria sua retomada.
O problema � que, se o pragmatismo predomina no cotidiano humano, no pensamento ocidental � grande a for�a da idealiza��o. Felizmente, a pol�tica � uma boa forma de mediar essa oposi��o.
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