Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Se for para ter horário de verão, que seja permanente

Caso mudança seja reintroduzida, melhor eliminar a dança dos ponteiros todo ano

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O equinócio de outono passou, segunda-feira (20), e ninguém percebeu. Se o Brasil ainda tivesse horário de verão, hoje seria dia de atrasar os relógios uma hora, voltando ao que seis décadas atrás o padre de Ubatuba —que mantinha inalterados os ponteiros na torre da igreja— chamava de "hora de Deus".

A efeméride astronômica marca a data em que dia e noite têm durações iguais, com o sol incidindo diretamente sobre o equador. No solstício de verão no hemisfério sul (22 de dezembro em 2023), a luz solar baterá perpendicularmente sobre o trópico de Capricórnio, e teremos o dia mais longo do ano.

Até que Bolsonaro detonasse o horário de verão, em outubro todos adiantavam os relógios em uma hora. A maioria comemorava a chance de deixar o trabalho ainda de dia, poder jogar bola, ir à praia ou deitar conversa fora no bar por mais tempo.

Casal com guarda-chuva na penumbra com o sol ao fundo
O horário de verão deveria ser permanente, para não precisarmos ajustar o relógio duas vezes por ano - Reinaldo Canato - 13.out.17/Folhapress

Uma minoria, porém, não via e não vê sentido em interferir tanto nos processos biológicos regulados pela luz (ritmos circadianos). Afeta o sono de modo brusco, com consequências mensuráveis na saúde e no desempenho de tarefas cotidianas, como dirigir um automóvel.

Há estatísticas mostrando aumento de acidentes de trânsito nos dias após o vaivém de ponteiros. Avolumam-se infartos, acidentes vasculares cerebrais e casos de depressão sazonal —para nada dizer do mau humor de quem foi obrigado a dormir e acordar na hora que os outros decidiram, ainda que democraticamente.

Ocorre que não há só estatísticas epidemiológicas, mas também as saídas de pesquisas de opinião pública. E estas indicam que há maioria a favor do horário de verão.

Com isso em vista, alguns legisladores fora do Brasil propõem que ele se torne permanente. Adiantar os relógios uma hora e nunca mais voltar atrás. Adotada a medida por aqui, durante o inverno sudestino as crianças iriam para escola no escuro, tresnoitadas.

Dá até medo de que algum parlamentar brasileiro siga o exemplo de Marc Rubio nos EUA. O senador trompista do "sunshine state" (Flórida) conseguiu apoio unânime de colegas para aprovar, em 2022, a adoção definitiva do "daylight savings time", alusão à diminuta economia de eletricidade que serve de pretexto para o atentado contra biorritmos.

A Academia Americana de Medicina do Sono esbravejou, deplorando a legislação que acabou fora da pauta da Câmara no ano passado. Embora aplaudindo o fim da dança dos ponteiros, os especialistas defendem que permanente se torne o horário padrão, em sua avaliação mais adequado ao ciclo circadiano na espécie humana.

Rubio voltou à carga reativando sua proposta no Senado. Há legislação similar tramitando na Câmara e, uma vez aprovada também pelos deputados, irá para sanção de Joe Biden. O presidente terá então de decidir se fica a favor ou contra os 53% de americanos que preferem o horário de verão permanente.

Pesquisa Datafolha de 2021 constatou que um número parecido de brasileiros, 55%, prefere seu retorno. É de supor que sejam também favoráveis a torná-lo definitivo, pois adiantar e atrasar relógios todo ano não agrada a ninguém.

Eis aí um caso clássico de divergência entre a racionalidade de base científica e a preferência do público. As pessoas dão mais peso para vantagens perceptíveis pela maioria, em prejuízo de danos mensuráveis, ainda que marginais, à vida e à saúde.

Dos males o menor: se for para ter horário de verão, que ao menos fiquemos livres de mudar o relógio duas vezes por ano. E que se aproveite para alterar também os horários de entrada na escola, essa insanidade madrugadora que tanto prejudica o aprendizado das crianças e adolescentes.

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