Mara Gama

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Compostagem descentralizada de São Paulo pode ser exemplo para a AL

Especialista Antonis Mavropoulos comenta tendências para o gerenciamento de resíduos

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O Brasil precisa resolver de vez o descarte seguro de resíduos para proteger o meio ambiente e a saúde humana, investir em logística reversa com a contribuição dos recicladores informais e adotar práticas de gerenciamento de resíduos orgânicos como está fazendo São Paulo, com seu projeto de compostagem orgânica de feiras.

Quem opina é Antonis Mavropoulos, que dirige a Associação Internacional de Resíduos Sólidos, (Iswa da sigla em inglês) congregando empresas de limpeza urbana e tratamento de rejeitos no mundo todo.

Mavropoulos esteve em São Paulo para seminários na semana passada e falou com esta coluna. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Em um país como o Brasil, que ainda enfrenta o problema dos lixões, talvez não seja possível imaginar uma evolução única para todas as regiões. Quais são os possíveis modelos de gestão de resíduos?

Mavropoulos - Não há necessidade de uma evolução uniforme, desde que possamos garantir melhorias constantes e contínuas em todas as áreas. Acho que o Brasil precisa desenvolver quatro pilares. Primeiro, descarte final seguro para aterros sanitários para proteger o meio ambiente e a saúde humana. Segundo, melhor reciclagem e logística reversa com a contribuição dos recicladores informais para avançar na recuperação de recursos. Terceiro, práticas de gerenciamento de resíduos orgânicos seguindo o exemplo de São Paulo. E, finalmente, a infraestrutura de Tratamento Biológico Mecânico e Resíduos em Energia para reduzir as quantidades de aterros e aumentar a recuperação de energia e material. Nosso membro nacional (Abrelpe, a associação das empresas de limpeza) está trabalhando com o município de São Paulo em um modelo relevante que inclui um Ecopark em seu núcleo, onde todas as tecnologias necessárias são combinadas. 

A redução nas importações chinesas de materiais recicláveis teve um grande impacto no fluxo desses materiais, com repercussões nos Estados Unidos, Austrália e Europa. Na sua opinião, existe a possibilidade de um mercado internacional de recicláveis ou eles devem sempre ser tratados localmente

Quanto mais local o ciclo do material, melhor para a sustentabilidade. Os ciclos de fração orgânica só podem ser  locais. Metais, papéis e plásticos podem ser locais ou regionais. O mercado internacional de reciclagem ainda está ativo, embora a participação de plásticos tenha sido reduzida. A proibição da China apontou a necessidade de repensar por que reciclamos e como. Considerar que a pureza dos materiais é, na maioria dos casos, mais importante que suas quantidades. E nos obrigou a enfrentar a reciclagem não como religião, mas como é: uma das opções disponíveis com seus próprios riscos, custos e benefícios.

É possível tratar resíduos orgânicos em larga escala?

Não apenas é possível, eu diria que é necessário, porque se falarmos em resíduos sólidos municipais, a fração orgânica cria os impactos ambientais e de saúde mais importantes. Na Europa, existe uma grande experiência no gerenciamento de resíduos orgânicos com separação de fontes em todas as escalas, de cidades de milhões a comunidades de centenas de pessoas. São Paulo, como tive a oportunidade de ver com meus olhos, já iniciou uma iniciativa muito importante que liga feiras e mercados de rua e compostagem descentralizada, e acredito que isso cria um modelo que merece ser estudado em todas as cidades da América Latina.

Pode citar quatro experiências que considera exemplares no mundo?

Primeiro, começaria com o progresso inacreditável que a China fez no fechamento de milhares de lixões nos últimos 10 anos e os substitui por modernos sistemas de gerenciamento de resíduos. Segundo, acho que as cidades de Barcelona e Milão fornecem um paradigma que chamamos de gerenciamento integrado de resíduos, que combina extensa reciclagem através de plantas de separação de fontes, tratamento mecânico-biológico, biometanização (biodigestão anaeróbia, ou seja, sem oxigênio). Terceiro, acho que vale a pena estudar o conceito de economia circular à medida que evolui na cidade de Roterdã e estabelece novos padrões para o que chamamos de cadeias de suprimentos materiais. E, finalmente, gostaria de mencionar a política de pesquisa e inovação para gerenciamento de resíduos que foi desenvolvida na África do Sul, um país em desenvolvimento que mostra como a inovação é urgentemente necessária para os países mais pobres e que não é um privilégio apenas para o mundo rico.

Quais são as tendências atuais para a gestão de resíduos?

Em primeiro lugar, o aquecimento global está redefinindo a maneira como avaliamos os sistemas de gerenciamento de resíduos e os mecanismos de financiamento. Segundo, a economia circular, que estimula o gerenciamento de resíduos a ser adaptado à eficiência de recursos e aos circuitos circulares. Terceiro, o lixo marinho que transforma nossa percepção e nossas estratégias e políticas em relação aos plásticos. E, final, mas mais importante, a ascensão da quarta revolução industrial, que reformula a maneira como extraímos, fabricamos, distribuímos, consumimos e, finalmente, gerenciamos os produtos em fim de vida. Penso que a combinação dessas quatro tendências resultará em um novo cenário para o gerenciamento de resíduos até 2030. 

A incineração de resíduos é uma questão controversa pela poluição e pela queima de recursos que poderiam ser usados. Qual a sua posição sobre isso?

Na Europa e no Japão, existem mais de 1.000 incineradores que não criam problemas ambientais mensuráveis e estão em operação por 30 a 40 anos ou mais. Um incinerador bem operado não cria problemas ambientais. Os problemas são criados se a entrada de resíduos não for adequada, se a operação for problemática ou se os incineradores não se ajustarem adequadamente a todo o sistema de gerenciamento de resíduos. Assim, nossa sugestão é não projetar incineradores, mas projetar sistemas e verificar se eles se encaixam com metas e prioridades locais. 

Qual é a maneira mais ecológica de tratar resíduos?

De maneira simplificada, é aquela com os mínimos impactos à saúde e ao meio ambiente, financeiramente acessíveis para a população local e de acordo com os fluxos próprios de resíduos e recursos humanos. Isso significa que todas essas condições devem ser cumpridas, se queremos falar em sustentabilidade.

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