� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
A realidade virtual em que j� vivemos
� consenso entre analistas de mercado que os produtos e servi�os de realidade virtual dever�o se transformar nas novas plataformas de computa��o. Da mesma forma que um dia foram os PCs e hoje s�o os dispositivos m�veis, essa tecnologia dever� ser a respons�vel pela cria��o de novos h�bitos e intera��es em �reas t�o diversas quanto medicina ou mercado imobili�rio, educa��o ou guerra.
Independente do que o futuro traga, a realidade � que boa parte da vida contempor�nea j� ocorre no virtual. Mediados por Photoshop, "League of Legends" e Facebook, muita gente j� transita em dimens�es alternativas, cujos par�metros e fronteiras parecem estar apenas em sua imagina��o.
N�o � pequeno o n�mero de pessoas que, isoladas e autistas em simula��es particulares da realidade, parecem viver em um universo � parte. Ali os conceitos de tempo, espa�o, energia e mat�ria n�o passam de abstra��es. Virtualmente livres das restri��es de passado, presente ou futuro, para eles n�o parece haver limite que n�o possa ser questionado, nem fato imune a modifica��es ou interpreta��es. Suas refer�ncias, confusas, multiplicam-se indiscriminadamente na forma de memes e compartilhamentos apressados.
Eles est�o por toda parte. S�o industriais e pol�ticos que acreditam estar acima da lei, ju�zes e promotores apressados em tirar conclus�es, governantes que viram as costas para seus eleitores, comerciantes e bancos incapazes de compreender o contexto de seus clientes, grandes empresas a explorar fornecedores, investidores alheiros � finitude dos recursos explorados, celebridades com sua capacidade �mpar de dizer a coisa errada e muita, muita gente "normal" como eu ou voc�. Em comum, todos parecem estar t�o imersos no mundo imagin�rio que perderam o contato com a realidade.
O ambiente social sempre teve suas Marias Antonietas. O problema de hoje � o n�mero e intensidade com que se multiplicam. Toda vez que uma telinha reproduz uma vis�o particular da realidade, ecoada e amplificada pelos cliques de redistribui��o, o contexto � fragmentado e os fatos, adaptados.
No virtual o pensar � terceirizado. E n�o corresponde mais ao existir. Otimistas defendem que, ao permitir o tr�nsito entre identidades m�ltiplas, a realidade virtual facilitaria o aprendizado e contribuiria para diminuir preconceitos. Mas as redes sociais mostram que o mais prov�vel � que o contr�rio aconte�a. Uma experi�ncia dublada que permita o abandono ego�sta em um estilo de vida hedonista, mesmo que seja em um mundo imagin�rio, � tentadora demais para ser descartada.
A vers�o editada da realidade costuma ser melhor, para seu criador, do que o mundo que lhe deu origem. O corpo, fragmentado pelas pr�teses que o isolam das leis da F�sica, pode assumir a pl�stica que imaginar e se adaptar ao que seu dono acredite ser o tipo "certo" de corpo, de vida, de privil�gios merecidos. Para que combater as injusti�as do mundo se � poss�vel desfrut�-las?
O �xodo para o pensamento m�gico est� mais para uma regress�o infantil do que para uma expans�o da mente. Ele se aproxima da incapacidade da crian�a de distinguir fato de fic��o e de compreender as necessidades do outro. Sem confronto, a crian�a mimada desenvolve problemas graves de socializa��o. Estruturas servis e relacionamentos pragm�ticos comprometer�o seu comportamento, o desenvolvimento de suas rela��es pessoais e, em �ltima inst�ncia, sua real percep��o do mundo.
Cada indiv�duo coloca seus �culos, veste o uniforme ou entra na caixa de simula��o sozinho. Vivencia suas experi�ncias m�gicas sem concess�es e sai de sua caixa igualmente s�. Nada foi aprendido, por mais que tudo possa ser compartilhado. Aldous Huxley j� dizia que da fam�lia � na��o, cada grupo humano � uma sociedade de universos insulares. Isso nunca esteve t�o pr�ximo da realidade.
A migra��o da esp�cie humana para os ambientes de simula��o vem crescendo nas �ltimas d�cadas. De t�o presente, abrangente, invis�vel, capaz de dar vida aos mais variados objetos, a inform�tica � cada vez mais "fantasm�tica". Seria uma enorme decep��o ver esse grande poder transformador canalizado para fazer com que o escapismo se transforme em uma epidemia global.
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