� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Trump e os impotentes
O mundo assiste, perplexo, � ascens�o de Donald Trump. "Como � poss�vel?", perguntam-se analistas, na v� tentativa de traduzir o aparentemente inexplic�vel. A revista inglesa "The Economist" fez uma montagem com ele sobre a ilustra��o do Tio Sam, com o t�tulo: "S�rio?". S�rio.
A compara��o com o imprevis�vel e grosseiro Donald faz a ensaiada e comedida Hillary parecer o Jimmy Carter. Na elei��o com programas � Twitter, eleitores querem solu��es curtas e r�pidas (construir um muro, expulsar mu�ulmanos ) para problemas complexos. Ningu�m parece ter paci�ncia ou tempo para a reflex�o.
Trump �, por incr�vel que pare�a, o que muito se desejou: um candidato incomum, verdadeiro rompimento com a pol�tica como � conhecida. Seu perfil � adequado para uma sociedade mediada pelo Facebook e sua ret�rica fan�tica, narcisista, imediatista, que busca a vit�ria completa e a aniquila��o do advers�rio.
Essa vis�o fundamentalista impossibilita o di�logo, n�o reconhece o outro, nem v� legitimidade em seus direitos. � resultado de uma decad�ncia de posi��es coerentes e ideologias pol�ticas em nome de posturas pragm�ticas, egoc�ntricas e barulhentas. Seu maior exemplo est� em Vladimir Putin.
O "New York Times" relata que, no partido Republicano, os desesperados para derrubar sua candidatura gastam fortunas em comerciais de TV como o Unelectable, em que apresentam as posi��es racistas, sexistas e discriminat�rias de Trump.
Os mais radicais falam at� em tumultuar a conven��o do partido, na tentativa de mudar as regras caso ele se qualifique. Isso n�o acontecer�. Fi�is ao princ�pio democr�tico, seus opositores Cruz, Rubio e Kasich j� disseram que o apoiar�o caso seja nomeado.
Alguns membros do partido Democrata riem da situa��o. Acreditando no crescente poder dos eleitores negros, hisp�nicos e mulheres, defendem que ele n�o ser� p�reo para Hillary. Muitos, no entanto, entre eles o ex-presidente Bill Clinton, acreditam que a amea�a � s�ria.
Muitos dos que apoiam Trump abertamente n�o se encaixam nas divis�es t�picas de g�nero, etnia ou idade. E s�o gente demais para que se configure uma anomalia. Se h� um tanto de protesto, de Tiririca ou En�as, no apoio ao homem da peruca loira e do bronzeado artificial, n�o se pode negar que ele tenha sua m�stica. Mesmo que n�o concordem com o ator, muitos se deixam impressionar pelo personagem.
No pa�s que inventou o marketing, Trump � marca de poder. Mesmo que, como tudo em marketing, n�o corresponda a produto de igual qualidade. Na sociedade dividida entre"vencedores" e "perdedores", ele � quem quebra a banca. Na l�gica rasteira da publicidade pol�tica, os Estados Unidos est�o perdendo. Trump � um vencedor. Se for eleito presidente, todos vencer�o.
Seus eleitores n�o procuram um pol�tico, mas um super-her�i. Da mesma forma que os russos depois da confus�o em que seu pa�s se meteu depois do final da Uni�o Sovi�tica, muitos sonham com uma m�o forte que, em um mundo de incertezas, n�o tenha medo de exprimir suas posi��es inconformadas e cr�ticas, de forma p�blica e sistem�tica.� a receita cl�ssica para o autoritarismo e sua troca de liberdade por seguran�a.
A realidade � que desde os anos 1980 que os EUA n�o s�o um pa�s de classe m�dia, nem a terra da oportunidade. O sonho americano est� cada vez mais distante da realidade. H� menos oportunidade nos EUA do que em qualquer outra na��o industrial desenvolvida.
A ideia ing�nua de que todos se beneficiam com investimentos nos "geradores de emprego" mostrou-se falha, e a ascens�o social dos pobres, quase uma peculiaridade estat�stica.Essa desigualdade contribui para a instabilidade social, econ�mica e pol�tica.
Cidad�os de baixa renda, sem curso superior, massacrados por globaliza��o e eros�o do emprego, sentem-se abandonados justo quando mais precisam de ajuda. Esse sentimento de impot�ncia � indicador muito mais claro do que fatores sociodemogr�ficos.
Sem perspectivas ou modelos em um ambiente de concentra��o de renda e poucos direitos sociais, � compreens�vel que sintam-se vulner�veis, desprovidos de autonomia ou prop�sito.
Os impotentes, cheios de ressentimentos contra imigrantes e direitos das minorias, tem suas vozes amplificadas pelas m�dias sociais, carregam rancor demais para qualquer tentativa de reconcilia��o com o diferente ou novo. � mais f�cil entrar em guerra. H� 17 anos, a anima��o "South Park" j� previa o cen�rio.
Eles acreditam no modo de pensar ego�sta, � funk ostenta��o, do homem das torneiras douradas. N�o pretendem mudar o sistema, mas desfrutar dele. A gan�ncia popularizada por Ayn Rand e retratada pelo personagem de Michael Douglas em "Wall Street" deixou de ser caricatural para se transformar no novo normal, aceit�vel e at� vista como virtude pela m�dia de massa que promove "celebridades" em seus reality shows.
Tr�s grandes pensadores teriam bastante a dizer a respeito do cen�rio pol�tico atual. Em um discurso em Harvard em 1978, o romancista Alexander Soljen�tsin descreveu a natureza ilus�ria da liberdade que n�o fosse baseada na responsabilidade pessoal. Ele lamentou a fragilidade e inabilidade cr�nica das democracias em se opor � viol�ncia e ao totalitarismo.
O extremismo pol�tico manifestado por Trump mostra que um oportunista demagogo pode, como Adolf Hitler, se aproveitar de um pa�s dividido. Em "Homens em Tempos Sombrios", a fil�sofa alem� Hannah Arendt descreve como muita gente boa, por falta de horizonte ou perspectiva, permitiu que o nazismo crescesse na Alemanha ao ficar ap�tica e invis�vel.
Por fim, o intelectual e presidente de transi��o da Checoslov�quia para a Rep�blica Tcheca, V�clav Havel, em "O poder dos despossu�dos", defendeu que a ideologia � uma forma de se relacionar com o mundo. Ela traz a ilus�o de identidade, dignidade e moral ao mesmo tempo que distancia as pessoas de suas pr�ticas.
� uma forma de legitimar o cotidiano, um v�u sob o qual gente comum pode esconder sua trivial adequa��o ao estado das coisas. Marx tamb�m falou algo a respeito, mas no estado de polariza��o em que est� o nosso pa�s, � quase arriscado cit�-lo.
A resposta a Donald Trump est� em uma pr�tica que lhe � desconhecida e que o mundo das redes sociais nos priva. Ela se chama diplomacia, e se resume ao fato de reconhecer que o outro existe, compreender as diferen�as e buscar adequa��es. � um exerc�cio de paci�ncia, nem sempre frut�fero, mas claramente empoderador.
E certamente muito melhor do que a alternativa de viver sob as vontades e bravatas de um ditador qualquer.
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