� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Este corpo n�o te pertence
Fala-se muito na tal computa��o vest�vel, a �rea da internet das coisas ligada ao vestu�rio. Impulsionada pelo barulho de m�dia feito pela pulseirinha da Nike e os �culos do Google (ambos quase natimortos) e pelo rel�gio da Apple (que ainda n�o � um iPhone, um iPod ou iPad), a ind�stria ainda n�o tem o seu representante "matador". Mas tudo indica que ela representa um futuro poss�vel para a eletr�nica de consumo.
A primeira gera��o da nova tecnologia n�o passa de uma extens�o dos smartphones. Conectados via bluetooth, eles notificam a chegada de mensagens de forma discreta. Como isso n�o � o suficiente para justificar a compra de novos aparelhos, fabricantes investem em uma variedade de mensura��es corporais. Para escapar da legisla��o m�dica, s�o classificados como acess�rios de "estilo de vida", assistentes pessoais para criar ou mudar h�bitos de seus usu�rios.
H� produtos para medir a qualidade do sono, temperatura e condutividade da pele (Jawbone); passos caminhados, degraus subidos, dist�ncia percorrida, calorias gastas e batimento card�aco (Fitbit e Misfit); eletrocardiograma e temperatura corporal (Qardio); per�odos f�rteis (Kindara); consumo de �lcool (BACtrack); cigarros fumados (Quitbit); bact�rias corporais (uBiome); press�o sangu�nea e glicose no sangue (Cooey e Whitings).
Os esportistas t�m � disposi��o rel�gios para a corrida (Polar), nata��o (Finis) e Triatlo (Garmin), entre outros. Como n�o poderia faltar, os brinquedos er�ticos tamb�m entraram na onda. OhMiBod � um vibrador que tamb�m serve para exercitar o per�neo e vem com um aplicativo para o seu controle remoto, sincronizando-o com a pulsa��o do parceiro.
"Tecnologia Vest�vel" � um termo tamp�o, que n�o significa muita coisa. De uma camisa de fibra sint�tica a um celular preso na cintura, muitos produtos podem ser classificados como tal. Os novos aparelhos, por mais modernos que sejam, ainda n�o inspiram desejos al�m do mundo nerd. S�o, em geral, grandes, feios, rid�culos, inc�modos, trabalhosos e incompat�veis a ponto de causar constrangimentos sociais. S�o, enfim, ainda tecnol�gicos demais.
Mas isso est� para mudar. Empresas como Fossil e Tag Heuer perceberam que a cole��o de cerca de 30 modelos de rel�gio da Apple avan�ava para o territ�rio da moda e logo lan�aram os seus cebol�es conectados. Seguindo a mesma linha, a Swarovski se associou � Misfit para criar uma linha de "joias inteligentes", aproximando o mercado de luxo �s inova��es tecnol�gicas.
Tecnologia nasce cara, fr�gil e grande. Com o tempo se torna barata, resistente e invis�vel. Essa tend�ncia permite que chips descart�veis possam ser engolidos (para monitorar o sistema digestivo sem a necessidade de uma endoscopia) ou descartados. A L'Or�al anunciou na �ltima feira de novidades tecnol�gicas dos EUA que distribuir� gratuitamente um adesivo descart�vel com um sensor capaz de identificar o n�vel de radia��o ultravioleta absorvido pela pele e transmitir a informa��o para um aplicativo no smartphone.
N�o tardar� para que a computa��o e a conex�o estejam t�o integradas ao modo de vida urbano a ponto de n�o ser mais poss�vel identificar os objetos conectados no corpo e no ambiente –e o que faz cada um.
� bastante prov�vel que a pr�xima gera��o de acess�rios "inteligentes" tenha um comportamento mais sutil do que as pulseiras de hoje. Um bom exemplo do que poder�o ser capazes de fazer est� nos aparelhos de surdez. Esses pequenos amplificadores conectados t�m algoritmos poderosos, capazes de filtrar determinadas frequ�ncias enquanto refor�am outras, adaptando-se ao ambiente de seus portadores e aprendendo com sua rotina. Nos ouvidos de pessoas que n�o tenham defici�ncias auditivas, eles poder�o criar um tipo de audi��o dedicada e telesc�pica semelhante � da antiga s�rie de TV da "Mulher Bi�nica".
A experi�ncia subjetiva de realidade aumentada, propiciada e mediada por equipamentos tende a ser absorvida pelo c�rebro e, com o tempo, considerada normal. Neurocientistas chamam essa capacidade de adapta��o de "neuroplasticidade". A massa cinzenta pode, conforme o est�mulo recebido, crescer ou diminuir espontaneamente, criando ou eliminando conex�es neurais no processo e, com elas, novas percep��es de mundo.
Novos aparelhos de computa��o pessoal poder�o facilmente criar uma casta de super-humanos com sentidos amplificados. Controlados por empresas gigantes, sentidos h�bridos dever�o gravar tudo o que for absorvido e interpretado por eles. E provavelmente comercializar�o os dados que um dia foram chamados de pessoais.
E isso � apenas o come�o. Aparelhos como Thync e Muse prometem interferir na din�mica cerebral, atrav�s de pequenos impulsos el�tricos para alterar o comportamento de seus usu�rios. O primeiro se prop�e a estimul�-los ou relax�-los conforme a necessidade. O segundo se prop�e a refor�ar o estado de foco durante a medita��o.
Nossa rela��o com as m�quinas � cada vez mais simbi�tica. N�o tardar� para que chips implantados no c�rebro aumentem a capacidade de aprendizado, removam h�bitos daninhos ou modifiquem pensamentos. Permitiremos que isso aconte�a? Provavelmente sim.
A tecnologia est� rapidamente deixando de ser um acess�rio para se tornar componente indispens�vel da identidade, fundamental para estabelecer alguma vantagem em uma sociedade extremamente competitiva. Com o tempo, o que um dia foi diferencial � assimilado por todos e se transforma no novo "normal". Equipamentos personalizados, eficientes, precisos, invis�veis e dur�veis mediar�o as experi�ncias que temos da realidade, alterando a percep��o do mundo.
O homem do futuro dever� ser fisicamente muito parecido conosco. Seus h�bitos e linguagem, no entanto, nos parecer�o incompreens�veis –bem como o mau uso que ele provavelmente far� de tanto poder.
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