� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Sofremos de depend�ncia por velocidade
A correria tecnol�gica faz com que o tempo se torne uma das grandezas mais valorizadas no mundo contempor�neo. H� uma percep��o geral de que a vida flui r�pido demais, de que h� pouco tempo dispon�vel, de que a quantidade de compromissos e demandas escapa do controle e de que h� coisas demais feitas em regime de urg�ncia.
Nessa compuls�o acelerada, e-mails s�o enviados para confirmar se outros e-mails foram recebidos, mensagens de texto n�o respondidas em menos de 5 minutos recebem novas mensagens de confirma��o. No tr�nsito, muda-se de faixa desesperadamente em um congestionamento, culpa-se o Waze por eventuais lentid�es e corre-se furiosamente nas estradas a caminho da praia para que se possa "descansar" ainda mais r�pido.
H� pouco tempo diziam que a sociedade p�s-industrial traria uma "revolu��o do lazer", promovida pela automa��o das casas e ind�strias. O progresso econ�mico levaria a maior prosperidade e libertaria todos para que cuidassem da fam�lia, dos estudos, e realizassem atividades gratificantes.
N�o foi bem isso o que aconteceu. A inova��o parece ter acelerado a vida cotidiana e submetido as pessoas a suas demandas. Os mesmos aparelhos digitais que deveriam aumentar a efici�ncia se tornaram motivos de estresse. O mundo parece cada vez mais r�pido, complexo e fugidio para que seja compreendido adequadamente.
Mas a realidade � que ele sempre foi assim. O que n�o havia eram tecnologias para traz�-lo instantaneamente, em toda a sua magnitude, para cada bolso e colo.
O resultado � que hoje vive-se em uma esp�cie de constante distra��o. For�as na periferia da aten��o s�o amplificadas, enquanto aquelas que est�o imediatamente � frente s�o ignoradas.
Qualquer habilidade para planejar (ou at� mesmo para seguir um plano) � bombardeada pela necessidade de improvisar caminhos meio a uma quantidade crescente de novos impactos externos. Boa parte das decis�es � tomada de forma impulsiva, sem qualquer oportunidade para considera��es.
O rid�culo da situa��o foi satirizado por Woody Allen em "Todos Dizem Eu Te Amo", cujo personagem, em uma crise neur�tica, diz: "Vou me matar. Vou a Paris pular da Torre Eiffel. Se eu pegar o Concorde, posso estar morto tr�s horas mais cedo, o que seria perfeito. Com o fuso hor�rio, posso estar vivo por seis horas em Nova York e, ao mesmo tempo, morto em Paris. Posso fazer uma por��o de coisas e, ao mesmo tempo, estar morto."
Desde os movimentos modernistas que se preza a velocidade. Interpreta��es art�sticas da sociedade industrial, eles encorajaram a revis�o dos valores sociais em busca de novas ideias que acomodassem o progresso dos tempos. Dentre eles, o Futurismo do come�o do s�culo 20 foi o mais enf�tico: ele idolatrava os "novos" temas ligados � ind�stria: velocidade, juventude, tecnologia e os grandes centros urbanos representavam para seus adeptos o triunfo da humanidade sobre a ditadura da natureza, que durante tanto tempo ditou o ritmo da vida.
O que eles n�o imaginavam era que no mundo no "tempo real" da m�quina, que todos est�o ligados o tempo todo, n�o haveria tempo para descansar ou refletir. A partir do instante em que o chefe n�o estava mais no escrit�rio, mas no colo ou no bolso, dispon�vel instantaneamente o dia todo, as tarefas e sua cobran�a passaram a ser internalizadas e, no processo, se tornaram ainda mais rigorosas do que o eram no mundo antigo.
Hoje n�o parece haver um instante livre. Tudo precisa ser preenchido com alguma fun��o. A pr�pria ideia de tempo mudou de natureza. Ele n�o � mais linear, mas amorfo e associativo. O passado � achatado e o futuro, irregular. Ambos est�o dispersos em grandes volumes de informa��o e interpreta��es variadas. Como um gigantesco inconsciente terceirizado, fatos e acontecimentos s�o registrados e classificados minuciosamente, embora sua compreens�o nem sempre esteja dispon�vel.
As pessoas, (ainda) anal�gicas, vivem em uma esp�cie de estresse traum�tico nesse contexto de excesso de informa��o e demandas. Ele se manifesta em uma forma de desilus�o generalizada e falta de dire��o. Ningu�m parece saber para onde vai, por mais que tenha certeza de que chegar� l� cada vez mais r�pido.
Essa frustra��o gera uma natural resist�ncia, que se manifesta em ideais e movimentos rom�nticos que prop�em uma est�tica da desacelera��o. Tudo � t�o bonito quanto ef�mero, e seus efeitos colaterais podem ser ainda piores. N�o adianta promover "desintoxica��es" digitais ou se manter desplugado nos finais de semana se no resto do tempo as tarefas continuarem a se acumular.
Os aparelhos tecnol�gicos s�o muitas vezes tidos como fatores externos, alheios �s rela��es sociais. Mas na realidade boa parte das institui��es � constru�da por meio deles, que acabam por incorporar c�digos e pr�ticas coletivas em um processo cont�nuo, interativo e progressivo a espelhar as fronteiras da imagina��o.
Fundamentais para a forma com que a sociedade contempor�nea se relaciona com o tempo, espa�o, comunica��es, entretenimento, socializa��o, identidade e consci�ncia, tecnologias tanto definem a cultura de velocidade quanto a refletem.
Em vez de se pressionar endemicamente por tempo e, no processo, se confundir com o que � efetivamente feito, � preciso reexaminar a depend�ncia de velocidade e acelera��o e sua rela��o com produtividade, efici�ncia e, em �ltima inst�ncia, com o progresso.
Novas ideias s�o hoje mais importantes do que novas tecnologias. A infraestrutura digital precisa ser explorada para dar a seus agentes humanos e n�o humanos maior harmonia e equil�brio. � preciso abandonar a velha ideia de que a velocidade �, por si s�, um valor. S� assim se poder� ter uma vis�o mais abrangente de um cen�rio t�o complexo.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade