� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
... E a TV continua forte
Cr�ticos apressados e pol�micos digitais de plant�o adoram prever o fim da TV. A princ�pio seria f�cil concordar com eles, devido ao surgimento de tantas tecnologias de consumo eletr�nico caseiro a competir pela fr�gil aten��o de seus pobres usu�rios.
No entanto, seja via web, smartphones, tablets ou consoles, o v�deo reina soberano. E, com ele, Hollywood e as grandes produtoras de TV. Mesmo com o avan�o da pirataria e o barateamento dos custos das cadeias de produ��o e distribui��o, os est�dios profissionais continuam respons�veis pela concentra��o da audi�ncia. Esteja ela nas hist�rias fasciculadas de "Breaking Bad", "Dexter" ou da novela das 8; esteja ela nos programas de audit�rio, jogos de futebol ou reality shows como "Big Brother", "MasterChef"; ou em boa parte do circo surreal em que se transformou o notici�rio nacional, a audi�ncia est� na TV. Os poucos conte�dos de entretenimento discutidos nas redes sociais que n�o vieram de sua telinha costumam ser provenientes da telona do cinema.
A forma tradicional, passiva, de se reagir a esse conte�do tem sido substitu�da por outra, mais participativa, embora n�o menos espetacular. Se o v�deo nos tempos de rede foi substitu�do por alguma coisa, esta coisa n�o est� nos coment�rios e n�s da rede, mas em plataformas com ainda mais v�deo. Mesmo que algumas delas, como Torrent ou o popular Popcorn Time, sejam consumidas ilegalmente.
Acredito que os que defendem o fim da TV analisam as m�tricas erradas. O espa�o das m�dias se comporta como um �nibus cheio: � medida que novos passageiros entram, os presentes arranjam uma forma de se acomodar e redistribuir o espa�o restante. Poucos, muito poucos, deixam o comboio.
J� faz algum tempo que a televis�o deixou de ser um simples dispositivo para se tornar uma experi�ncia integrante e fundamental para a vida dom�stica. Como ela, o "hor�rio nobre" se tornou mais um momento de expectativa por entretenimento envolvente do que um per�odo do dia. O interc�mbio e v�nculo emocional que executivos e diretores desenvolvem com seus p�blicos nos cerca de 80 anos de vida da TV � intenso e n�o pode ser desconsiderado, pouco importa o local, hor�rio e formato de seu consumo.
Como boa parte do que se diz respeito � TV, muito do p�nico que se fofoca a respeito de seu eventual decl�nio � baseado em palpite infundado. Basta um pequeno escrut�nio dos principais assuntos debatidos nas m�dias sociais e se ver� que, salvo poucos eventos genuinamente surgidos por ali, como o movimento #meuamigosecreto, boa parte do que se discute por l� � oriundo da programa��o da TV. Nem que esta TV esteja no Netflix.
Mas isso n�o quer dizer que a velha caixa preta esteja com o futuro garantido, muito pelo contr�rio. Por mais que a audi�ncia do meio esteja garantida por um bom tempo, seu formato de produ��o e distribui��o de conte�do precisa passar por uma grande transforma��o.
A come�ar pelos sal�rios dos artistas. Se hoje qualquer empresa � capaz de mensurar com alguma precis�o o retorno sobre o investimento nos caramingu�s que se paga a um estagi�rio, por que se paga tanto a determinadas celebridades? Por tradi��o? Por medo de perder para a concorr�ncia? E ser� que montantes do porte de R$ 300 mil por m�s s�o verdadeiramente abusivos? Ou s�o verdadeiras pechinchas, quando levado em conta o faturamento trazido pelo profissional? Antigamente tal pergunta seria um mist�rio. Hoje n�o � mais.
A grande transforma��o da TV est� por tr�s da tela. Gra�as a novos servi�os de distribui��o de conte�do, como o Netflix, iTunes, Amazon (e outros nomes n�o t�o conhecidos por aqui, como Hulu ou Crackle), novos h�bitos de consumo compulsivo de TV, em que s�ries completas de 12 ou mais horas sejam acompanhadas em um �nico fim de semana, fazem com que o h�bito de se reunir a fam�lia em torno do sof� da sala, no melhor estilo dos Simpsons, seja t�o arcaico quanto acompanhar as aventuras de Rin-Tin-Tin nos cinemas de bairro em 1950.
A din�mica social � outra mudan�a consider�vel. TV e cinema sempre foram pontos em comum para interc�mbio social entre desconhecidos. � mais confort�vel falar de novela do que debater pol�tica ou futebol, e s�o poucos os que se intimidam ao defender suas prefer�ncias a respeito de "Jornada nas Estrelas" versus "Guerra nas Estrelas", ou mesmo ao defender que o Kevin Spacey de "Beleza Americana" � melhor do que o de "House of Cards". O fen�meno que os publicit�rios da moda chamam de "segunda tela" nada mais � do que a enorme vontade de compartilhar suas opini�es a respeito de um conte�do t�o popular e abrangente.
Essa predile��o pode ser vista toda vez que acontece um evento muito popular, como a Copa do Mundo, a abertura da Olimp�ada ou a entrega do Oscar. Praticamente ningu�m est� interessado na sua reprise, todos precisam assistir ao momento ao vivo, sob preju�zo social de n�o ter o que dizer quando encontrar os amigos.
Mais do que roubar a audi�ncia da TV, smartphones e tablets deram �s emissoras maiores oportunidades de distribui��o de conte�do, interrompido, comentado, compartilhado, multiplataforma, livre da "grade" de programa��o, em que nenhuma tela pode ser considerada prim�ria. A TV, se fizer alguns ajustes em sua estrutura, tende a ter um futuro glorioso, mesmo em uma �poca que programas e atores se tornaram maiores e mais importantes do que as produtoras ou canais que os abrigam.
At� mesmo a inevit�vel pirataria �, em alguns casos, at� ben�fica. N�o s�o poucos os grandes sucessos de p�blico que tiveram sua pesquisa de mercado (como "House of Cards") ou divulga��o (como "Tropa de Elite") baseada em servi�os de busca e download ilegal.
A TV passa por uma evolu��o, n�o uma revolu��o. Por mais que as formas de se interagir com ela devam se diversificar, seu conte�do n�o tende a ser muito diferente do que era nos seus prim�rdios.
Seu futuro n�o deve estar em algo t�o pobre quanto aplicativos, mas na melhoria de suas funcionalidades. J� est� na hora do velho controle remoto ser substitu�do por um sistema de busca com reconhecimento de voz, identifica��o de prefer�ncias e estados de esp�rito para entender frases complexas como "TV, estou cansado. Me manda um pipoca rom�ntico, bobinho, para eu relaxar e dormir. Tem algo com o Tom Hanks que eu n�o tenha visto?"
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