� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
A ind�stria do v�cio digital
Chega a ser �bvio dizer que a internet distrai, ou mesmo definir a vida digital em termos de depend�ncia ou v�cio. Desde o tempo em que se apelidavam os velhos Blackberries de "crackberries" que se diz que a rede vicia. Hoje � cada vez mais comum se referir a ferramentas, servi�os e aplicativos de m�dias sociais, como YouTube, WhatsApp, Facebook, Twitter ou at� mesmo Netflix em termos que at� h� pouco eram reservados para os usu�rios de metanfetaminas e cassinos.
As redes sociais exploram com maestria a caracter�stica greg�ria do ser humano. Seus produtos trazem informa��es imediatas e validam os coment�rios e posi��es de cada um com rela��o a seu grupo de interesse ou apoio. � natural que desenvolvam, em muitos de seus membros, uma esp�cie de tique compulsivo.
Gente que passa mais tempo em aplicativos de troca de mensagens de textos do que em reuni�es presenciais; que passa mais tempo a interagir com telas do que com gente real; que verifica as atualiza��es sociais no primeiro instante livre (mesmo que seja no banheiro); e que se entristece quando sua vida editada para as redes sociais n�o aparenta ser t�o fascinante quanto a vida editada de outros que mal se conhecem � t�o comum que mal chama a aten��o.
Psic�logos, antrop�logos e estudiosos do comportamento vem discutindo a possibilidade de um "v�cio em internet" desde o princ�pio da web, l� por 1996, mas at� agora n�o se chegou a consenso. N�o h� nem mesmo formas definitivas de se identificar se ele chega a ser real. Ao contr�rio de jogo compulsivo, drogas il�citas, tabaco e, at� certo ponto, �lcool, ele � socialmente aceito e, em muitos grupos sociais, at� encorajado. Seu uso se integrou de tal forma ao comportamento social que chega a ser uma esp�cie de h�bito inconsciente. A internet, a n�o ser nos raros casos em que seu usu�rio pilota um autom�vel enquanto acompanha o Facebook, n�o mata. E at� ter utilidade, nem que seja para refor�ar os v�nculos sociais no estressante mundo urbano contempor�neo.
Al�m disso � dif�cil dissociar o meio digital de certos comportamentos que geram depend�ncia. A internet pode ser um ve�culo c�modo para a dissemina��o e consumo de pornografia ou para determinadas pr�ticas daninhas, mas ela n�o as criou e, salvo em raros casos, n�o atinge grandes parcelas da popula��o.
Alguns cr�ticos mais zangados gostam de culpar a rede m�e por determinados comportamentos, acreditando seriamente que uma vida anal�gica seja melhor; outros p�em a culpa nos usu�rios, que, desprovidos de for�a de vontade, s�o pregui�osos e incapazes de sair dela. Nenhuma das cr�ticas faz muito sentido. A internet � s� um ambiente de intera��o, e n�o pode ser responsabilizada pelas experi�ncias –boas ou m�s– que seus usu�rios tem por ali. Nada em sua estrutura demanda ou estimula comportamentos de depend�ncia.
Tampouco se pode culpar a v�tima quando a maioria dos servi�os digitais baseia seu modelo de faturamento no tempo em que seus usu�rios passam a visitar suas p�ginas. Alguns dos melhores designers, engenheiros, estat�sticos e programadores do mundo desenvolvem, testam e estruturam servi�os digitais com o claro objetivo de capturar a aten��o e manter seu usu�rio entretido pelo maior tempo poss�vel, nem que para isso precisem desvirtuar as �ltimas descobertas da neuroci�ncia para criar drogas digitais de grande sofistica��o e poder de reten��o.
Pixel por pixel, empresas de tecnologia planejam uma experi�ncia "perfeita" para seus usu�rios, apelando para os centros de prazer inconsciente de seus c�rebros e associando-os � manuten��o de sua reputa��o social.
A estrutura, criada � imagem e semelhan�a dos experimentos behavioristas, baseia-se em quatro etapas: o usu�rio encontra um gatilho (algo que estimula sua aten��o) e uma oportunidade para a��o. O resultado, vari�vel e imprevis�vel, funciona como uma esp�cie de recompensa, que o estimula a fazer um investimento, como curtir ou comentar o que viu. Esse investimento acaba por refor�ar o comportamento de gatilho-a��o-recompensa, da mesma forma que uma m�quina de moedinhas em um cassino.
Ao pobre usu�rio, termo que at� a d�cada de 1990 era reservado exclusivamente para o consumidor de drogas, o que sobra � um n�mero limitado de op��es, a maioria de natureza t�xica. Pode-se usar o aplicativo, servi�o, rede ou jogo que preferir. S� n�o � permitido abrir m�o de qualquer escolha, sob pena de exclus�o social.
O canto da sereia das m�dias sociais pode ser bastante dif�cil de resistir, ainda mais em um cotidiano competitivo, estressante ou mon�tono. Para empresas que se alimentam da Economia da Aten��o, quanto mais vari�veis forem os resultados, maior o tempo que se passar� em suas p�ginas, e, consequentemente, maior o invent�rio de conte�do para anunciar. Por mais que pare�a distra�do, o membro ativo de uma rede social desenvolve uma esp�cie de foco seletivo, hiperconcentrado, que prioriza as a��es e recompensas digitas �s que seriam obtidas na lenta intera��o com pessoas reais nos mon�tonos e previs�veis ambientes "normais".
A maioria das corpora��es bem-sucedidas no mundo digital lan�a m�o dessa realidade artificial para capturar a aten��o de seus usu�rios e convert�-la em cliques. Descendentes viciosos da ind�stria perniciosa da Publicidade, elas baseiam o seu sucesso na cria��o de h�bitos entre seus consumidores zumbis, competindo pelo m�ximo poss�vel de aten��o. E, no processo, contratando uma elite profissional que poderia desenvolver produtos para mudar o mundo mas que dedica boa parte de seu tempo a quebrar a for�a de vontade das pessoas comuns.
N�o � uma luta justa. E o resultado que se v� � o n�mero cada vez maior de pessoas distra�das e atordoadas, aguardando o primeiro momento de distra��o ou t�dio para recorrer ao para�so artificial de seus tablets e smartphones.
N�o se pode esperar dessas empresas que tomem jeito ou respeitem a vida particular de seus usu�rios, ainda mais quando boa parte de seu faturamento depende desse comportamento aut�mato. Certos truques, como o desenvolvimento de p�ginas de comprimento infinito ou v�deos que tocam automaticamente podem ser limitados ou inibidos por outras tecnologias, como um dia o foram os pop-ups e diversos tipos de banners. Mas isso n�o impedir� as mentes brilhantes a servi�o do lado negro da For�a que desenvolvam novas armadilhas.
N�o se pode mais esperar que o usu�rio, o elo fraco nessa cadeia de modula��o de aten��o, seja respons�vel pelo combate a um sistema viciado no sequestro de sua aten��o. � preciso ajud�-lo a desenvolver pr�ticas e modelos de conte�dos que tornem seu uso da rede uma experi�ncia que amplie suas escolhas e seu conhecimento, ajudando-o a ter uma vida conectada mais feliz, saud�vel e gratificante.
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