� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Empreendedorismo � Neymar
� comum, nas diversas �reas de inova��o da ind�stria de tecnologia, cultivar a figura do empreendedor que, por meio de sua start-up, vence os obst�culos de um governo pesado e burocr�tico para gerar a sua ideia, levantar um grande investimento de fundos de capital e dominar o mundo.
N�o faltam admiradores para a figura dos her�is corporativos contempor�neos, considerados os grandes vencedores em um pa�s que n�o os reconhece nem d� condi��es a eles.
� f�cil cair na cantilena de que o Brasil � um pa�s dif�cil. E n�o seria eu, um simples colunista de tecnologia, a propor o contr�rio. Minha cr�tica vem do fato de que, assim como jogadores de futebol, boa parte dos empres�rios prefere queixar-se ou sair do pa�s a protestar e demandar mudan�as.
Fala-se de regi�es como o Vale do Sil�cio ao redor do mundo, mas a realidade � que s� existe um Vale do Sil�cio; e ele est� na Calif�rnia. Foi constru�do gra�as a uma gigantesca pol�tica de desenvolvimento governamental, acompanhada de uma rela��o intensa com escolas e centros de pesquisa.
Desde os primeiros frutos, a pr�tica de reinvestimento em tecnologias emergentes � t�o habitual que se tornou quase obrigat�ria.
Desse modo, ganha-se dinheiro com redes, que � reinvestido em semicondutores, cujos lucros desenvolvem a microinform�tica e da� para o desenvolvimento de uma ind�stria de software.
Parte dos frutos � reinvestida em servi�os web, tecnologias de banda larga, sistemas de seguran�a e criptografia, redes sociais, smartphones e dispositivos de conex�o m�vel, aplicativos dedicados, aprendizado de m�quina, intelig�ncia artificial, tecnologias vest�veis, internet das coisas, ve�culos aut�nomos, cidades inteligentes, biotecnologia, nanotecnologia, computa��o qu�ntica...
Enquanto isso, o resto do mundo –como que mesmerizado frente ao admir�vel mundo novo– corre para clonar suas flores enquanto deveria se preocupar com o processo que as faz brotar.
Uma piada interna nas grandes empresas de tecnologia californianas diz que a ind�stria de l� � apoiada na sigla IC, que um dia significou "integrated circuits" (circuitos integrados) e hoje est� mais para "�ndia e China", tanto por suas sweatshops quanto pela gigantesca importa��o de c�rebros oriundos desses pa�ses.
Um empreendedor de uma empresa cuja propriedade majorit�ria seja de um fundo de investimento dos Estados Unidos � t�o brasileiro quanto Kak�, Neymar ou Robinho que, jogando para multinacionais como Barcelona ou Manchester United, n�o fazem praticamente nada pelo desenvolvimento do esporte no pa�s. Tanto um quanto o outro apenas nasceram no Brasil.
Talvez (ou exclusivamente) por esse motivo que seja comum ouvir entre os expatriados "de sucesso" o papel de v�tima. Quando discorrem a respeito dos variados motivos que os levaram a deixar o pa�s que os formou, � esperado ouvir os mesmos chav�es gen�ricos a respeito de falta de seguran�a, educa��o, estrutura e recursos.
Quando relatam suas vidas na gringa, percebem-se neles algumas atitudes de cidadania (como o pagamento de impostos, a participa��o na comunidade ou a��es de voluntariado) que jamais atrairiam o seu interesse no per�odo em que viviam por aqui. Como uma esp�cie de para�so terreno, a imigra��o serviria como um processo purificador, capaz de deixar para tr�s todos os comportamentos indesej�veis do passado.
Quando esse curioso h�brido ap�trida visita a republiqueta que lhe deu origem, a recep��o � grandiosa, quase heroica. O atleta pisa nos campos brasileiros da mesma forma que o empreendedor pisa nos audit�rios nacionais, como esp�cie de figura santificada, digna da vibra��o da plateia, que o considera verdadeiro patrim�nio local, exemplo a ser seguido.
Exemplos do que, n�o se sabe. Nenhum deles fugiu de um regime opressor como o da Alemanha Oriental, Uni�o Sovi�tica ou Coreia do Norte. Muito pelo contr�rio. Boa parte dos mais bem-sucedidos entre os empres�rios capitalizados � benefici�ria de um sistema desigual e injusto, que concentrou o pouco que tinha de suas riquezas nas institui��es que formaram aqueles c�rebros que agora emigram.
N�o parece haver em suas consci�ncias o fato de que boa parte do desenvolvimento estrangeiro vem exatamente dessa for�a de trabalho, muscular e cerebral, de pa�ses exportadores de talentos.
Enquanto muitos esportistas ainda t�m a justificativa de serem de origem humilde, o mesmo n�o pode ser dito da maioria dos empreendedores brasileiros. Formados nas melhores universidades p�blicas do pa�s, uma vez de posse de seus diplomas, voltam as costas para seus centros de pesquisa e s� retornam a eles para uma eventual corrida ou pedalada no final de semana.
Por mais que tal pr�tica enrique�a patrim�nios individuais, h� poucas d�vidas de que ela prejudique o ambiente que os forma.
Propriedade intelectual de predadores multinacionais com nomes t�o evidentes como "Tiger", jovens empreendedores acreditam na conversa sedutora de seus "anjos" investidores, aparentemente sem se darem conta de que n�o passam de funcion�rios com c�digos de vestimenta e cargas hor�rias diferentes de seus pais, cujo volume de trabalho intenso, aus�ncia de direitos e n�vel de estresse tendem a ser muito maiores do que os antigos empregos que deixaram em nome de um sonho de "liberdade".
Chega a ser esquizofr�nico que universidades e centros de pesquisas sejam deixados � m�ngua justamente pelas empresas que mais se queixam que n�o h� profissionais qualificados em volume ou com a forma��o adequada.
Quando estes conseguem, apesar de todos os obst�culos, criar tecnologias genuinamente nacionais como as que nos deram o carro a �lcool, um agroneg�cio forte e uma ind�stria aeron�utica poderosa, n�o faltam os pessimistas e detratores a reclamar de investimentos com finalidade pol�tica ou produtos de qualidade inferior ao similar estrangeiro.
A �nica forma de se manter competitivo em uma economia da intelig�ncia � desenvolver o potencial das ideias criativas brasileiras, construindo para isso estruturas que impulsionem a for�a local, em vez de ter como principal plano de neg�cios a sua aquisi��o pelo abutre da vez.
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