� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Amem-se ou morram
No dia primeiro de setembro de 1939, o poeta anglo-americano W. H. Auden escreveu um de seus textos mais conhecidos, lamentando a Guerra Mundial que se apresentava. O poema termina dizendo que ningu�m existia por conta pr�pria. E que era preciso amar-nos uns aos outros ou ent�o morrer�amos todos.
� dif�cil pensar nisso quando um atentado de viol�ncia cega transforma Paris na Cidade das Trevas e demanda dos governantes franceses uma rea��o � altura. N�o � dif�cil prever um futuro de viol�ncia crescente, em que �dios rec�procos n�o se satisfa�am com menos do que a total elimina��o do inimigo.
J� vimos essa hist�ria em outros pa�ses. Seja no Oriente M�dio, no Paquist�o ou em Ruanda, a escalada do �dio nunca termina e tende a deixar v�timas e culpados por todos os lados. Quando a Argentina resolveu dar um basta aos julgamentos militares ou a Alemanha resolveu descer a m�o pesada em qualquer sentimento totalit�rio, muitos consideraram a rea��o exagerada. � dif�cil imaginar em que condi��es esses pa�ses estariam se a vingan�a travestida de justi�a seguisse o seu curso.
� curioso pensar que, justamente � medida que o mundo fica mais conectado e transparente, o isolamento e o medo da diferen�a se tornem t�o expressivos. Nas grandes metr�poles de hoje, estejam no Brasil ou na Europa, a diversidade �tnica, lingu�stica, sociol�gica ou comportamental que se v� a cada instante � muito maior do que a que a maioria das pessoas teria acesso em uma vida inteira. Nunca houve tantos estranhos. Se n�o h� o preparo ou a abertura para conhec�-los e dialogar com eles, o choque � praticamente inevit�vel.
Desde o Imp�rio Romano que se sabe que a diversidade � a maior fonte de riquezas. As capitais de grandes imp�rios sempre foram cidades de grande explos�o cultural por serem ambientes em que se trocavam ideias e cujos pontos de vista individuais eram debatidos em torno de valores morais e �ticos abrangentes, que buscavam acomodar as diferen�as individuais em um grande di�logo.
Pois justamente essa riqueza que, nas m�dias sociais, � transformada em amea�a. As timelines dos Facebooks fazem cada usu�rio temer o diferente sem levar em considera��o que o estrangeiro � s� uma quest�o de ponto de vista. Para prender o p�blico e vender suas prefer�ncias o sistema cria pequenos feudos de uma pessoa s�. Quem n�o concorde com sua op��o sexual, pol�tica, moral ou c�vica que se afaste.
Esse relativismo moral, que considera "certo" tudo o que concorde com uma forma de ver o mundo e "errado" tudo que a conteste leva a uma intoler�ncia muito maior e mais grave do que aquela que tantos se apressam a rotular como religiosa. Nela, os b�rbaros n�o esperam �s portas do feudo, mas j� vivem entre seus habitantes h� algum tempo. Alguns em posi��es de grande poder e influ�ncia.
Freud defendia que n�o era a religi�o que criava a viol�ncia, mas exatamente o contr�rio. Pessoas violentas sempre exploraram a religi�o como uma forma eficaz de transmiss�o de suas mensagens, mas h� pouca rela��o entre as duas grandezas. O ser humano � agressivo mais por ser um animal social do que por crer em abstra��es divinas. A mesma for�a que torna um grupo coeso tende a repelir quem se op�e a ele.
Em nome dos ideais de um grupo, boas pessoas cometem os atos mais cru�is. Cidad�os de bem na Uni�o Sovi�tica de St�lin, na Alemanha Nazista, na China de Mao e no Camboja de Pol Pot cometeram grandes atrocidades. Todos tinham em comum o fato de considerar a religi�o o �pio do povo.
M�sseis e drones podem destruir postos e quart�is da organiza��o terrorista autointitulada Estado Isl�mico, mas dificilmente acabar�o com o �dio e a viol�ncia que hoje � propagada por eles. Em um mundo contempor�neo cuja modernidade vem acompanhada da explora��o e desigualdade, a f� mais poderosa tende a ser exatamente a f� que se opuser com maior radicalismo a essa modernidade.
Chamem-na de Taleban, de ISIS ou de qualquer outro nome ex�tico da moda, sua causa � sempre a mesma. N�o demanda um grande esfor�o intelectual para perceber o contexto de onde surgem tantos jihadis. Ao redor do mundo, eles est�o nos grot�es. N�o s�o considerados cidad�os, mal t�m direito � identidade. N�o t�m nada a perder.
A desintegra��o dos valores sociais em nome da gan�ncia individual, que transforma os que antigamente eram chamados de "desafortunados" em "perdedores" � sinal de uma civiliza��o que se tornou decadente. Desde antes da queda de Roma, sempre que o prazer imediato se sobrep�s � viabilidade futura o alarme soou. Pena que hajam t�o poucos a ouvi-lo.
Ao longo da Hist�ria n�o faltaram intelectuais a propor o fim da hist�ria. No entanto ela continua, em sua dial�tica, a desafiar qualquer ideologia que se acredite definitiva e universal. � medida que o mundo se torna mais populoso, integrado e faminto de recursos, a Hist�ria s� tende a se tornar mais complicada, com um n�mero crescente de atores e cen�rios.
Para defender um pa�s, um ex�rcito talvez seja o suficiente. Mas para defender uma civiliza��o ainda n�o se inventou arma melhor do que a toler�ncia e a educa��o.
Pena que ningu�m pensa nelas at� que seja tarde demais.
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