� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Pior do que Hiroshima
O mundo interconectado, como um organismo, � ao mesmo tempo muito resistente e muito sens�vel a infec��es. A mesma rede que promove uma evolu��o sem precedentes pode ser usada para interferir, sabotar ou destruir estruturas no mundo que teimamos em chamar de "real". Um bom exemplo est� na Stuxnet, bomba digital criada por uma a��o conjunta dos governos dos EUA e Israel para desmontar o programa at�mico iraniano.
O ataque foi o primeiro caso de viola��o do espa�o soberano de uma na��o por outra que n�o estivesse em guerra declarada, o que abre um precedente para ataques futuros contra servi�os de infraestrutura pelo mundo, sem que ocorra uma discuss�o p�blica a respeito de suas consequ�ncias.
Aonde v�o os EUA, o resto do mundo tende a seguir. V�rios pa�ses j� declararam desenvolver seus programas b�licos digitais, entre eles China, R�ssia, Reino Unido, Fran�a, Alemanha, Ir� e Coreia do Norte. Outros t�m suas opera��es digitais camufladas, por medo de alguma repres�lia comercial ou diplom�tica.
Uma das poucas vantagens de uma guerra � que at� hoje o seu custo e os horrores causados por ela s�o t�o grandes que normalmente boa parte dos pa�ses opta pela diplomacia em vez da batalha. O ataque digital, ao eliminar boa parte desses custos e camuflar eventuais consequ�ncias, pode ser muito mais tentador.
A quest�o tem preocupado a comunidade cient�fica. Kennette Benedict, diretora do Bulletin of the Atomic Scientists, identificou em um editorial diversos paralelos entre os ataques promovidos por EUA e Israel e as primeiras bombas at�micas lan�adas sobre Hiroshima e Nagasaki. Entre eles est� a falta de cuidado com que a tecnologia foi desenvolvida.
Em ambos os casos, l�deres do governo e da comunidade cient�fica correram para desenvolver suas armas "antes que o outro lado o fizesse" e ignoraram eventuais consequ�ncias n�o s� com rela��o aos danos causados como tamb�m com rela��o � corrida armamentista que surgiria.
A arma digital est� deixando de lado seus dias de inoc�ncia, em que poderia ser desenvolvida por um adolescente em seu quarto e cujos efeitos mais daninhos poderiam ser a interrup��o de algum servi�o digital, o furto de informa��es ou algum dano financeiro.
Hoje um ataque digital pode transformar qualquer coisa em arma, rompendo barragens, incendiando torres de transmiss�o ou queimando usinas. Desde que os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA mostraram que um avi�o comercial pode ser transformado em m�ssil, n�o � preciso detalhar a gravidade de tais eventos.
Como agentes qu�micos ou biol�gicos, armas digitais podem ser dif�ceis de identificar, determinar a origem e, principalmente, controlar. Elas n�o podem ser recolhidas, seus efeitos dificilmente s�o precisos e poucas t�m a capacidade de autodestrui��o.
Stuxnet tinha uma instru��o que impedia sua propaga��o depois de tr�s anos de infec��o. Isso era uma caracter�stica de seu projeto, n�o um requisito para seu funcionamento. Outras armas podem simplesmente ignor�-la. O que aconteceria se sa�ssem do controle?
Para piorar, cada arma digital carrega em seu c�digo a estrutura para que novas armas sejam constru�das a partir dela. Depois que um dos componentes do programa americano e israelense foi descoberto em 2011, novos ataques explorando a mesma vulnerabilidade apareceram em diversos kits vendidos no mercado negro. Em um ano, essa era a principal porta de entrada usada por criminosos para instalar malware e roubar dados banc�rios.
O alvo de um ataque digital ou de seu efeito colateral pode ir muito al�m do projetado. Sistemas log�sticos, ind�strias, redes de telecomunica��es, fornecimento de �gua, saneamento b�sico, transa��es financeiras e parte consider�vel da Internet podem ser facilmente inutilizados. Sua recupera��o, se poss�vel, tende a ser muito lenta. N�o h� mais �reas isoladas ou protegidas. Todos s�o igualmente vulner�veis.
A amea�a de um eventual holocausto eletr�nico ainda est� em seus primeiros dias. Neste est�gio, ainda � muito dif�cil antever o tamanho do dano que poder� ser causado em uma sociedade v�tima de suas armas. Se elas n�o causam os horrores imediatos de Hiroshima e Nagasaki, o caos que podem criar pode ser mais duradouro ou at� mais daninho, sobretudo pela dificuldade maior de identific�-lo.
� preciso chamar a aten��o para os perigos dos ataques b�licos que utilizem a Internet, e criar uma rede de coopera��o internacional que estabele�a institui��es para legitimar, controlar e atribuir responsabilidades a determinadas tecnologias e seus usos, prevenindo danos antes que seja tarde demais. Como em todas as outras revolu��es digitais, a guerra eletr�nica poder� criar uma nova escala de destrui��o que ofuscar� o que foi feito anteriormente.
Chega a ser ir�nico pensar que o primeiro uso reconhecidamente militar de ataque cibern�tico tenha sido usado para impedir o avan�o no desenvolvimento de armas at�micas, abrindo caminho para uma nova era de destrui��o em massa sem precedentes.
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