� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
A internet off-line de Cuba
Uma visita a Cuba � uma esp�cie de viagem no tempo. N�o s� por causa dos pr�dios art d�co, dos carros da d�cada de 1950 ou do clima de filme de espionagem da guerra fria. A "internet" que circula pela ilha tem v�rios pontos em comum com a rede que se conhecia no s�culo passado, antes da populariza��o da banda larga e de tudo o que se convencionou chamar de web 2.0.
Menos de 5% da popula��o de Cuba est� conectada. Destes, poucos t�m acesso a conex�es privadas, distantes da censura p�blica. Os "privilegiados" que podem usar uma conex�o quase livre ainda dependem da transfer�ncia de dados por linha discada.
Para piorar, o controle na ilha � r�gido. A censura governamental � intensa, e mesmo nos raros lugares em que alguma liberdade � tolerada, a transfer�ncia de dados � muito lenta e cara demais para uma popula��o cuja renda mensal circula em torno de 25 d�lares.
At� 2008, a posse de computadores era ilegal, e mesmo hoje s� se pode obter uma conex�o wi-fi com autoriza��o do Minist�rio das Comunica��es, o que torna a rede m�vel praticamente inexistente.
Esses fatores deveriam ser suficientes para garantir a Cuba um n�vel de acesso � informa��o compat�vel com o seu vizinho Haiti ou o de regimes fechados como o da S�ria ou da Coreia do Norte. No entanto n�o � isso o que acontece.
A criatividade de uma popula��o com o maior n�vel educacional desse hemisf�rio, sedenta por informa��o e habituada a se virar frente a diferentes formas de escassez, gerou uma forma diferente da revolu��o digital.
Por cerca de US$ 1 por semana, muitos cubanos recebem o que se convencionou chamar de "pacote semanal": uma combina��o de aplicativos, filmes, s�ries, revistas, textos e v�deos de forma��o profissional, gravados em pen drives e contrabandeados por meio de uma rede informal de "mulas de dados", portadores que cruzam as cidades a p� ou de bicicleta para realizar a tarefa que os cabos de fibra �tica e redes de telefonia fazem em outros pa�ses. A Wikipedia, por exemplo, � baixada por muitos em grandes pacotes de 2 a 5 Gigabytes, para consulta posterior em smartphones.
A necessidade, dizem por a�, � a m�e da inven��o. Na ilha, a informa��o permeia as fronteiras de v�rias formas: alguns contrabandeiam ou improvisam antenas de conex�o a sat�lites. Outros desviam parte da conex�o reservadas a hot�is, empresas estatais, umas poucas multinacionais, embaixadas e escrit�rios do governo. Outros ainda improvisam antenas de alta pot�ncia para captar sinais de TV de Miami e convert�-lo em formato digital. A gambiarra � t�o hi-tech quanto simples e prec�ria.
Boa parte da transfer�ncia dos dados beneficia os diversos membros da cadeia. Cada n� tira a sua comiss�o e o resultado geral � um servi�o muito mais barato e eficiente do que pode oferecer a maioria dos provedores de acesso, e por meio do qual se pode conseguir praticamente de tudo, em blocos ou sob demanda, desde que n�o inclua conte�do pornogr�fico ou pol�tico –cuja pena para quem os tiver em sua posse pode ser bem grave.
A experi�ncia, naturalmente, � passiva e chega a ser quase in�til para ferramentas de compartilhamento como blogs e redes sociais, mas n�o � muito diferente do acesso que se tem em mais da metade do planeta, que tantos se apressam em classificar de "exclu�dos digitais". Entre eles est�o fatias consider�veis da zona rural de pa�ses bastante desenvolvidos ou democr�ticos. E mais de 80 milh�es de brasileiros.
O conte�do distribu�do na rede pedestre de Cuba muitas vezes n�o chega a ser consumido em computadores ou aparelhos de reprodu��o de DVD. Boa parte da popula��o mais carente carrega seus patrim�nios de dados consigo o tempo todo, em busca de alguma TV ou equipamento em que possa plugar suas mem�rias para assistir ou estudar o conte�do de seu interesse.
Aos poucos esse acesso � informa��o alimenta formas de dissid�ncia e resist�ncia ao regime, por meio de pequenos grupos de ativistas armados de seus smartphones com c�maras e pen drives que, mesmo sem acesso direto, conseguem captar informa��es e registrar opini�es, para posteriormente distribu�-las de diversas formas, cientes de que a �nica forma de fazer com que a informa��o chegue a todos � dar a ela a forma viral, mesmo que passe longe de gigantes como YouTube.
Alguns desses conte�dos at� chegam � Internet para consumo do resto do mundo. Mas nem sempre s�o os mais relevantes.
Blogueiros consultam p�ginas baixadas e armazenadas em seus computadores, escrevem seus textos em casa e depois usam os poucos segundos que o seu or�amento permite para ir a uma lan house, atualizar o site, copiar outras p�ginas de conte�do essencial e sair de l� com tudo o que precisam para estudar registrado em um pen drive.
H� rumores de que exista uma rede privada com quase 10 mil computadores a compartilhar a informa��o que recebem da internet para distribuir por guerrilheiros de dados. Desconectada da rede-m�e, ela � limitada, mas chega a ter at� uma rede social, que, como as antigas BBS, faz boa parte do que hoje � delegado pelos mais privilegiados a monop�lios como o Facebook.
A rede � libertadora. Em suas diversas formas ela tende a gerar uma sociedade mais esclarecida, informada e tolerante. Mesmo que sejam extremamente tortos os meios para se alcan�arem tais fins.
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