� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Errare humanum est
Dizem que o autor da frase foi S�neca, aquele fil�sofo que mais tarde se tornaria tutor de Nero. Mesmo que n�o tenha sido, o termo � bastante aplic�vel a ele.
S�neca foi um dos primeiros grandes pensadores a estudar a complexidade da natureza e das rela��es humanas. Seus textos, que j� foram bastante impopulares - na Divina Com�dia Dante o coloca no primeiro c�rculo do inferno, o "limbo" - hoje s�o bastante apreciados, ajudando muitos a resgatar o valor do contato e da empatia em um ambiente cada vez mais pragm�tico.
Onde S�neca errou, e feio, foi na import�ncia que deu aos livros. Para ele, o ac�mulo de volumes n�o levaria � cultura ou diversidade, mas a uma grande distra��o. Sua recomenda��o era ler poucas e boas obras, repetidas vezes, para preservar a sanidade mental.
Ele n�o estava sozinho em sua luta contra o texto escrito. N�o faltavam cr�ticos para demonizar a inven��o, acreditando que a tecnologia tinha ido longe demais e precisava ser interrompida. A palavra escrita era prom�scua, incontrol�vel e desqualificada, e ainda podia ser facilmente distribu�da sem o conhecimento ou o consentimento de seu autor. Era imposs�vel fazer perguntas para o texto, ou mesmo verificar sua validade.
Mais radical do que S�neca, Plat�o defendia que a depend�ncia na palavra escrita enfraquecia o car�ter e criava um comportamento distra�do. Ao terceirizar fatos e hist�rias para o papel escrito, as pessoas n�o precisariam guardar grandes quantidades de informa��o na cabe�a, e se tornariam extremamente dependentes do que estivesse escrito, mesmo que fosse por outros. Isso levaria, segundo ele, a uma inevit�vel contamina��o do conhecimento com falsas informa��es.
Na Europa do final do s�culo 15, quando a imprensa se popularizou, outros grandes nomes levantaram a voz contra seus efeitos perniciosos. De nada adiantava dizer que o processo era mais r�pido, barato e preciso do que as c�pias feitas � m�o. Muitos acreditavam que a civiliza��o tinha chegado a seu fim.
Entre eles estava Erasmo de Rotterdam, coincidentemente um grande f� de S�neca, que em 1525 protestou contra o excesso de novos livros, porque isso causaria impedimentos e restri��es no processo de aprendizado.
O erro de Erasmo � ainda mais grave se for levado em conta que, por volta de 1530, seus textos correspondiam a mais de 10% dos livros vendidos na Europa. Cr�tico social, padre e te�logo, ele era um dos grandes humanistas da �poca. Respons�vel por revis�es importantes de textos cl�ssicos em grego e latim, ele influenciou muitos pensadores da reforma protestante. Mas como bom hacker, preferiu n�o deixar o catolicismo por crer que provocaria mudan�as maiores do lado de dentro da institui��o, ao estimular a toler�ncia religiosa e a conviv�ncia com ideias conflitantes.
Da mesma forma que Erasmo, o grande matem�tico Gottfried Leibniz acreditava que a enxurrada de livros levaria � barb�rie. Ren� Descartes achava que seu ac�mulo era um desperd�cio intelectual, pois o bom conte�do estava misturado com tanto lixo que levaria mais tempo para encontrar uma informa��o do que para redescobri-la.
No entanto essas tecnologias prosperaram. E a sociedade prosperou com eles. Enquanto era poss�vel para um intelectual do Renascimento ficar a par de quase tudo que tinha sido produzido em diversas �reas, hoje se sabe que, mesmo com as gigantescas bases de dados na Internet e os melhores mecanismos de busca, a ideia de onisci�ncia n�o passa de mito.
N�o � preciso estabelecer paralelos entre os erros de gente t�o brilhante e o que se diz, pensa e fala a respeito do mundo digital hoje. Eles s�o �bvios. Hoje n�o se discutem as enormes vantagens que a escrita ou a impress�o trouxeram para a vida humana, mesmo sabendo que a mesma gr�fica que imprime um Erasmo ou um S�neca imprime bobagens descart�veis em volume muito maior. Por mais que uma visita a qualquer servi�o de rede social fa�a com que o se percam as esperan�as na esp�cie humana, n�o se questionam as vantagens da Internet e de seus desdobramentos.
Em 1937, os brilhantes irm�os Gershwin compuseram uma m�sica lembrando que todos riram quando Crist�v�o Colombo disse que o mundo era redondo; que n�o faltaram risadas quando Edison gravou sons; que riram de Marconi e sua comunica��o sem fio, de Fulton e seu barco a vapor, de Hershey e sua barra de chocolate, de Ford e seu Modelo T e de tantos outros.
� assim que as pessoas s�o, conclu�a a can��o. S� nos resta rir por �ltimo.
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