� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O novo empirismo
N�o � preciso ser fil�sofo para imaginar que as ideias surgem de algum lugar. Mesmo abstra��es da Matem�tica ou F�sica, em suas dimens�es invis�veis, derivam de uma observa��o da natureza.
Foi dessa constata��o que surgiu o Empirismo, uma corrente de pensamento que diz que todo conhecimento � derivado de uma experi�ncia direta do mundo. Ao enfatizar o papel da evid�ncia para a forma��o de ideias, essa forma de pensar deu origem ao que conhecemos por M�todo Cient�fico.
O Empirismo se op�e ao Racionalismo, um ideal que acredita ser poss�vel chegar a conclus�es independente de experimentos, ou pelo menos antes que sejam poss�veis. Apesar de parecer coisa de m�stico, o Racionalismo tamb�m � fundamental para a ci�ncia, ao estipular ideias, como as de Einstein ou Higgs, e depois esperar que os experimentos as comprovem.
O debate entre empirismo e racionalismo � antigo, cada um acreditando ser a �nica vis�o poss�vel do mundo. Desde Arist�teles e Plat�o, muitos pesos-pesados da filosofia se debateram a respeito desse tema. Nos s�culos 17 e 18, o Reino Unido foi um celeiro de emp�ricos, que ajudaram a levar as ideias do M�todo Cient�fico proposto por Isaac Newton para boa parte das inova��es da Revolu��o Industrial.
John Locke, um de seus principais proponentes, via o ser humano como uma folha em branco, "t�bula rasa" sem compreens�o do mundo. Somente atrav�s de sensa��es vividas e da reflex�o tirada a partir delas que ele seria capaz de aprender. Sua proposta levou a linhas de pensamento como o Positivismo L�gico, segundo o qual a �tica faria pouco ou nenhum sentido, uma vez que nenhuma observa��o poderia confirm�-la.
Foi s� no come�o do s�culo 19 que Immanuel Kant, em sua Cr�tica da Raz�o Pura, prop�s por fim ao debate ao declarar que ambas as partes s�o importantes. Segundo ele, o conhecimento humano come�a pelos sentidos, passa pela compreens�o e se complementa com a raz�o. O racioc�nio anal�tico (derivado da raz�o) e o sint�tico (derivado da experi�ncia) n�o seriam capazes de explicar o mundo por conta pr�pria. Em outras palavras, N�o existe o concreto sem o abstrato e vice-versa.
Mais de dois s�culos depois da morte de Kant, o Empirismo Radical ressurge com for�a total, dessa vez anabolizado pela f�ria econ�mica das tecnologias digitais. Sistemas de "Big Data" e an�lises de m�tricas complexas se prop�em a analisar todos os dados existentes e, a partir dos resultados coletados, verificar hip�teses. Seus principais defensores alegam que n�o � mais preciso desenvolver teorias, uma vez que as evid�ncias provenientes das enormes bases de dados seriam suficientes para descobrir padr�es e propor solu��es.
Essa forma de pensamento parte de uma simplifica��o perigosa: que h� uma divis�o essencial entre as conclus�es baseadas em racioc�nio e as baseadas em fatos. Essa vis�o reducionista elimina a especula��o e leva a um gigantesco pragmatismo, em que se busca tirar a maior vantagem poss�vel das coisas como est�o, j� que n�o � poss�vel imagin�-las de outra forma.
John Stuart Mill, pai do Liberalismo, prop�s no s�culo 19 que o racioc�nio a partir de evid�ncias seria fundamental para todo conhecimento significativo. Segundo ele, verdades matem�ticas nada mais eram do que generaliza��es confirmadas de experi�ncias. Todas as pessoas, objetos f�sicos, suas propriedades e eventos poderiam ser completamente redut�veis a s�mbolos. Em sua filosofia n�o havia lugar para o conhecimento baseado em ideias. Sua vis�o "cient�fica" da sociedade e das rela��es humanas n�o considerava v�lida nenhuma possibilidade al�m das propostas por experimentos, medi��es, f�rmulas e fun��es matem�ticas.
No come�o do s�culo 20, uma forma de pensar chamada de Positivismo L�gico partiu da mesma premissa. Empirismo radical, ela tentou aplicar ideias de l�gica matem�tica a rela��es sociais, influenciando experimentos sociais perigos�ssimos como os vistos no Taylorismo, Socialismo e Nazismo.
Embora seja fundamental para o M�todo Cient�fico que todas as hip�teses e teorias sejam testadas contra observa��es do mundo natural, h� mais mist�rios entre o c�u e a terra do que pode supor a nossa v� ci�ncia. O Empirismo, ao acreditar que a experi�ncia sensorial seja a �nica fonte de ideias, rejeita a capacidade de transcend�-las e de inventar coisas completamente novas que n�o condizem (quando n�o contradizem) a pr�pria experi�ncia.
O Empirismo Radical anda de bra�os dados com a desigualdade econ�mica e o desenvolvimento industrial. Ao se mover no espa�o "l�gico", ele expande a defini��o do que seria "cient�fico" para al�m do razo�vel, transformando as pessoas em pe�as de f�cil reposi��o. Ele n�o se preocupa em valorizar qualquer forma de acontecimento ou racioc�nio que n�o possa ser diretamente medido, quantificado e equacionado.
O que poucos parecem levar em conta � que a ci�ncia mudou ao longo do tempo. Boa parte dos fil�sofos gregos fazia uma forma de ci�ncia. Foi s� depois da Renascen�a que a "Filosofia Natural" come�ou a se separar da Metaf�sica, criando nos s�culos seguintes divis�es cada vez mais restritas e especializadas. Ganha-se em especialidade, perde-se em abrang�ncia.
As vis�es racionalista e emp�rica n�o devem conflitar, mas ser relativizadas em busca de um racioc�nio mais amplo e multidisciplinar. Ao se oporem, quem perde � a ci�ncia, que apesar de se tornar espec�fica, parece incapaz de verificar problemas sist�micos, como a falta de �gua, explos�o populacional ou aquecimento global.
Boa parte dos grandes danos feitos a popula��es humanas e ao planeta veio de vis�es utilit�rias, reducionistas, que deixavam de considerar o que realmente acontecia em nome do que "deveria acontecer". Ao se desvalorizar boa parte da vis�o global, inquisitiva e dedutiva das humanidades em nome de algoritmos e bases de dados, perde-se boa parte da sensibilidade e reflex�o com rela��o ao mundo. Ao se desenvolver uma vis�o mercantilista e financeira que rejeita ocupa��es ou tarefas que n�o gerem ganhos imediatos, cria-se uma vis�o instrumental da educa��o e vida social que a torna vazia de sentido.
N�o � de se espantar que a depress�o seja pand�mica.
Boa parte da Cultura de uma sociedade n�o � derivada de seu poder militar ou industrial, mas de sua capacidade de refletir a respeito do que � feito, apreciando aspectos da vida que v�o muito al�m de carreiras e sal�rios, e tomando decis�es pol�ticas para o bem de todos. Quando isso n�o acontece o que sobra � um conjunto de pe�as em uma engrenagem, a reclamar com toda raz�o que a vida n�o faz muito sentido nem � satisfat�ria.
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