� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Mais farsa do que trag�dia
Muitos acreditam que o reality show da m�dia social tenha contornos tr�gicos. Teme-se um radicalismo de vis�es reacion�rias que pode colocar em risco boa parte das conquistas econ�micas e sociais. No entanto, como se v� em todo espet�culo circense, o exagero de cada cena promovida por ali � t�o extravagante quanto improv�vel. Como boa farsa, seus choros, gargalhadas e confus�es abundam sem que se chegue a solu��es.
Entre listas e GIFs, memes e v�deos, o cen�rio din�mico da rede se sobrep�e � trama, que, incompreens�vel, � sujeita a um volume t�o grande de mudan�as e invers�es que segui-la � quase imposs�vel. A confus�o � tamanha que a maioria da plateia logo abandona qualquer tentativa de atribuir-lhe sentido e, como em um filme porn�, fica por ali apenas para ver os protagonistas partirem para as vias de fato. Pouco importam origens ou motivos.
At� mesmo aqueles desocupados que alegam compreender o que acontece de verdadeiro entre tantos mimimis e hashtags (nem que seja para se aproveitar da verba do publicit�rio mais pr�ximo) deixam claro seu atordoamento, confus�o e decep��o.
Lan�ando m�o de um absurdo quase deliberado e de atua��es estilizadas, a farsa digital � programa recorrente no teatro do Facebook, reeditada com leves altera��es em personagens e temas. Isso n�o parece incomodar. Sedento de Circo, o p�blico n�o parece interessado em profundidade moral ou �tica. Basta ter algo sobre o que falar na pr�xima conversa de elevador.
Seguir uma linha de coer�ncia ou tentar atribuir sentido aos comportamentos fanfarr�es de seus personagens � uma tarefa ingl�ria e, em �ltima inst�ncia, desnecess�ria na �pera c�mica da m�dia social. A racionalidade n�o � bem-vinda por ali. E a m�sica � mais grandiosa quanto maior for a trag�dia.
Compositor e libretista de sua �pera grandiloquente, cada personagem se considera o centro do mundo e um fim em si mesmo. O resultado � um drama tragic�mico, em que situa��es corriqueiras vivenciadas por gente rid�cula, banais demais para serem do interesse de algu�m, se tornam espet�culo. N�o h� debate, apenas bravatas. Ao som de panelas e trios el�tricos, sopranos, tenores, contraltos e bar�tonos desafinados berram esgani�adamente:
- Coxinha!
- Petralha!
Etc.
Quando tudo o que se v� � a selvageria e a virul�ncia de comportamentos e opini�es na m�dia social, � natural que uma razo�vel preocupa��o surja. Por mais que haja quem se interesse em acreditar que o mundo est� perdido ou em fofocar a respeito das disfun��es das celebridades, tais disfun��es n�o s�o t�o bem recebidas quando o problema est� perto de casa ou pode, mesmo que indiretamente, acarretar situa��es constrangedoras.
"A Hist�ria se repete", j� dizia Hegel. "Primeiro como trag�dia, depois como farsa", complementou Marx. Ambos a compreendiam como disputa entre as ideias e sua viabiliza��o. Segundo eles esse conflito, bem resolvido, levaria ao progresso.
Outra express�o popular de Marx (que por sua vez teve grande parte de suas propostas transformadas em farsas, par�dias de humor negro absurdo) era a de que "As pessoas fazem a sua pr�pria hist�ria, mas n�o a fazem sob circunst�ncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado." Ou seja, se comportam da forma que sabem, mesmo que tal atitude traga consequ�ncias negativas.
A maior cr�tica de Marx �s revolu��es era seu comportamento tempestuoso e violento, irracional. Sua esperan�a por uma revolu��o verdadeira consistia na autocr�tica e constante avalia��o, interrompendo a��es impulsivas em busca de melhores reflex�es. Para ele, essa postura seria essencial para testar os resultados imprevistos e tirar algum resultado positivo da f�ria revolucion�ria.
Em um s�culo e meio dessa publica��o, praticamente todo tipo de revolu��o e experimento social foi testado, do socialismo ao nazismo, do fanatismo ao capitalismo financeiro, do isolacionismo � globaliza��o, do tradicionalismo � digitaliza��o. Autocr�tica que � bom, no entanto, at� agora n�o veio. Pelo menos por parte de ningu�m que esteja no poder. Nem que seja o poder do pequeno reinado de seu mundinho na m�dia social.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade