� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
A nova exclus�o digital
O conhecimento digital, habilidade de acessar, criar, assimilar e adaptar conhecimento atrav�s das tecnologias da informa��o � cada vez mais importante em um mundo em crescente digitaliza��o. Quem n�o sabe usar a Internet e as tecnologias digitais est� cada vez mais preso a profiss�es do s�culo passado, e certamente figurar� entre os primeiros a ter sua profiss�o automatizada.
J� faz um bom tempo que o acesso � rede � um fator de riqueza e desenvolvimento nacional. Segundo um relat�rio da Comiss�o Europeia, cerce de 90% dos empregos nas pr�ximas d�cadas demandar�o alguma forma de alfabetiza��o digital. Refor�ando a previs�o, um relat�rio do Banco Mundial de 2009 projeta um crescimento de quase 1,5% da economia de um pa�s para cada 10% de penetra��o de servi�os de banda larga. N�o � preciso ser economista para imaginar que a rec�proca tamb�m deve ser verdadeira, e que pa�ses que n�o invistam na ado��o e aprendizado das novas tecnologias ver�o diversos segmentos econ�micos em crise em um mundo cada vez mais competitivo.
� medida que governos e empresas correm para prover um n�mero cada vez maior e mais variado de produtos digitais, aqueles que n�o conseguem tirar proveito deles tendem a se distanciar em termos de oportunidades socioecon�micas. Em diversas partes do mundo, a exclus�o digital reflete um problema social. Muito mais importante do que o acesso � rede est� na velocidade desse acesso e na capacidade de tirar proveito dele.
� hora de reconsiderar a natureza da exclus�o digital. Enquanto algumas diferen�as foram diminu�das nas �ltimas d�cadas, outras divis�es emergiram como novos desafios. O abismo que separa os conectados dos n�o-conectados foi nas �ltimas duas d�cadas visto como uma quest�o de acesso. � medida que essa divis�o diminui, a quest�o dos benef�cios do impacto dessas tecnologias em pessoas e empresas � cada vez mais relevante.
A exclus�o digital � um problema relativamente novo que evolui com a rede. Como todo progresso, a digitaliza��o � irregular. Ela se d� atrav�s das regi�es do pa�s, zonas urbanas ou rurais, faixas et�rias, habilidades profissionais, n�veis de alfabetiza��o e conhecimento t�cnico. A tecnologia s� pode ser considerada democr�tica e empoderadora quando � acess�vel. Enquanto todos n�o tiverem um acesso de qualidade m�nima, a tecnologia servir� como mais um elemento de segrega��o e divis�o social.
As �ltimas pesquisas realizadas pelo IBGE e pelo Comit� Gestor da Internet mostram que o crescimento no acesso vem perdendo seu f�lego. Em parte isto se deve ao alto pre�o da conex�o em �reas rurais ou remotas - n�o se pode demandar uma qualidade de servi�o japonesa ou coreana em um pa�s de dimens�es continentais - mas boa parte da diminui��o nas taxas de crescimento deve-se � falta de interesse por parte de muitos usu�rios.
Para muita gente n�o h� motivo para gastar uma fatia consider�vel do or�amento familiar em uma rede que traz poucos conte�dos de verdadeira relev�ncia ou crescimento profissional. Ao contr�rio de um celular, que para muitas pessoas ao redor do mundo � ferramenta de cidadania e inclus�o, boa parte do uso da Internet � sin�nimo de perda de tempo e pornografia. Na virada do s�culo, muitos referiam-se � rede como uma grande biblioteca, ambiente de valor completamente diferente de Facebook, YouTube, Netflix e RedTube. Para muitos dos desconectados, a rede n�o � muito diferente de uma forma de televis�o pela qual o acesso � pago. � dif�cil tirar-lhes a raz�o.
N�o haveria nada de errado com redes sociais e videogames se o seu consumo correspondesse a usos mais profissionais da rede. Da mesma forma que uma cidade n�o pode sobreviver apenas de bares e cinemas, boa parte dos servi�os da rede precisa ter um alcance muito maior do que se imagina hoje para que se possa tirar dela seu verdadeiro valor. Muitos segmentos profissionais n�o sentem a menor necessidade de explorar a rede e se refugiam em seus dom�nios cartoriais. Quando uma tecnologia disruptiva como o Uber, AirBnB ou Nubank aparecem, eles simplesmente n�o sabem o que fazer. Como perderam o trem-bala da hist�ria, s� lhes resta protestar na forma de carreatas e carteiradas diversas, sabendo que o fim est� pr�ximo.
Qualquer que seja a �rea de atua��o, tecnologias de informa��o e comunica��o tendem a servir como excelentes ferramentas para cortes de custos e aumento de transpar�ncia e efici�ncia. Ao for�ar a digitaliza��o de servi�os governamentais, governos de pa�ses pequenos como a Dinamarca estimam economias da ordem de 160 milh�es de Euros. Em pa�ses gigantescos de estrutura prec�ria como o nosso, a economia poderia ser maior do que o melhor lucro de uma Petrobras.
Outra clara vantagem da digitaliza��o de processos est� na redu��o dos servi�os cartoriais, o que naturalmente reduz a burocracia e diminui as oportunidades para a corrup��o. Mas para isso � preciso mais do que um website. Da mesma forma que a digitaliza��o da declara��o de Imposto de Renda aumentou a arrecada��o, diminuiu a sonega��o e acelerou a restitui��o, servi�os robustos de governo eletr�nico, de prefer�ncia em plataformas m�veis, podem eliminar de maneira quase instant�nea problemas estruturais que pareciam insol�veis.
� preciso dar mais aten��o para o problema da exclus�o digital, antes que seus efeitos aumentem os problemas j� graves de desigualdade e competitividade que o Brasil enfrenta. N�o basta espalhar cabos de fibra �tica, � necess�rio educar os novos usu�rios, fomentar o desenvolvimento de pequenas e m�dias empresas, investir na digitaliza��o de servi�os e formar multid�es de novos profissionais de infraestrutura para que o digital n�o se transforme em uma vers�o eletr�nica do cart�rio.
Diminuir o abismo digital � do interesse de todos. O governo minimiza custos e torna suas opera��es mais eficientes, empresas se tornam mais competitivas e diversificadas e todos tendem a desfrutar de servi�os de maior qualidade e racionalidade. Para isso � necess�rio estabelecer um bom sistema regulat�rio que garanta a competitividade e o acesso, sem explorar seus usu�rios finais. Na Fran�a, por exemplo, quase 90% das resid�ncias tem acesso a pelo menos dois provedores de servi�os digitais, garantindo maior qualidade a um pre�o aceit�vel. Nos EUA, ao contr�rio, a liberaliza��o do mercado fez com que as empresas fatiassem o pa�s entre si, fazendo com que apenas 15% da popula��o tenha op��o de fornecedor.
Ao diminuir a as diferen�as entre conectados e anal�gicos caminha-se para uma sociedade com servi�os de maior qualidade e, ao mesmo tempo, melhores oportunidades para todos, aumentando a transpar�ncia, efici�ncia e participa��o social de todos, muito diferente do ambiente que se v� hoje, em que cada novo investimento na rede cria pouco mais do que um p�blico bestializado para os canais do Facebook e de suas filiais Instagram e WhatsApp.
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