� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Inova��o safada
Um assunto bem sabido, embora pouco debatido, � a rela��o prom�scua entre pornografia e tecnologia. De VHS a DVD, de Google Glass a Oculus Rift, produtos de "entretenimento adulto" parecem estar sempre entre os primeiros a chamar a aten��o em uma nova tecnologia. Isso quando a demanda por eles n�o � o verdadeiro fator de impuls�o para o seu desenvolvimento.
� uma rela��o de longa data. Pouco depois do surgimento da prensa de tipos m�veis, textos laicos e de natureza er�tica logo ganharam as gr�ficas. Estima-se que o primeiro best-seller da �rea seja de 1527. Na d�cada de 1840, a venda clandestina de fotografias pornogr�ficas foi essencial para que muitos fot�grafos pudessem custear um hobby t�o caro. Imagens de nus tamb�m incentivaram a inven��o da microfotografia e do microfilme, para registrar e armazenar grandes volumes de imagens. Em 1895 acontece a primeira exibi��o p�blica de um filme. Seu correspondente pornogr�fico surge dois anos depois.
A demanda de soldados por fotografias er�ticas nas duas guerras do s�culo 20 estimulou o surgimento de revistas e livros de bolso de conte�do sexual, levando � populariza��o do formato. C�maras instant�neas surgiram da demanda de certos consumidores por um filme que n�o precisasse de revela��o por terceiros, poupando constrangimentos. Uma das primeiras polaroides tinha o sugestivo nome de "Swinger". Seu fabricante dizia que que era devido ao fato de ter uma al�a, por mais que os comerciais de TV deixassem bem clara sua inten��o.
Desde o surgimento do videocassete que Hollywood temia a pirataria. Os fabricantes de equipamentos s� n�o foram processados porque novamente a besta de duas costas percebeu o tamanho do mercado e se apropriou da oportunidade. A prop�sito, a escolha do formato VHS sobre o reconhecidamente melhor Betamax deve-se, entre v�rios motivos, ao baixo pre�o dos equipamentos de capta��o. Gra�as a ele muitos gravaram anivers�rios, festas, casamentos e uma sacanagenzinha espor�dica. A compra de fitas e c�maras por um grande n�mero de amadores ajudou a viabilizar o neg�cio e torn�-lo uma ind�stria de porte, n�o o contr�rio.
O DVD matou o VHS por causa de um servi�o que os f�s de Poderoso Chef�o ou Casablanca raramente usam: a capacidade de cortar as enrola��es e pular direto para a cena preferida, repetindo-a quantas vezes fosse necess�rio. Sistemas de TV a cabo e cobran�a pay-per-view s� ganharam espa�o nas resid�ncias respeit�veis depois que surgiram servi�os "premium" em hot�is, com a veicula��o de certos tipos de filme com clientela fiel garantida.
Da� surgiu a internet, com seus gigantescos reposit�rios e sistemas de busca, garantindo um smorgasbord de prefer�ncias variadas. Com ela, a demanda por servi�os profissionais de verifica��o de cart�es de cr�dito, encripta��o, banda larga e plataformas dedicadas a produzir, compartilhar e vender a ind�stria do sexo em todas as suas varia��es de cauda longa. Ainda em 1994, uma empresa holandesa de v�deos er�ticos desenvolveu o primeiro sistema vi�vel de streaming de v�deo, abrindo a fronteira para que NetFlixes e YouTubes, uma d�cada mais tarde, se tornassem parte significativa do conte�do da rede. At� mesmo o videofone dos Jetsons, t�o comum no Skype e em videoconfer�ncias, surgiu em uma de suas primeiras formas comerciais atrav�s de conversas ao vivo entre artistas do corpo e seu p�blico.
Barata, r�pida e descart�vel, a ind�stria de conte�do sexual � extremamente vers�til, mas precisa se reinventar o tempo todo. Ela forma uma parceria coesa com a tecnologia porque uma tende a satisfazer as necessidades da outra. Se por um lado a interatividade, privacidade e conveni�ncia s�o essenciais para a pornografia, sua produ��o e consumo cont�nuos viabilizam boa parte dos novos produtos tecnol�gicos. Seja voc� contra ou a favor do g�nero (estatisticamente voc� deve estar a favor), � ineg�vel sua influ�ncia. Por mais que seja dif�cil medir o tr�fego desse tipo de conte�do, estima-se que o acumulado de todos os websites er�ticos chegue a quase meio milh�o de usu�rios por m�s, mais do que a soma de Netflix, Amazon e Twitter. Cerca de 30% da banda da internet global � gasta em pornografia, o que corresponde a aproximadamente 10% dos websites, 25% das buscas e 35% dos downloads.
Como todo o resto da rede, pornografia tamb�m aos poucos deixa de ser coisa de rapazes. Dados coletados pelo Pornhub, o maior reposit�rio de v�deos da internet, revelam que o Brasil �, junto com as Filipinas, o pa�s com o maior n�mero de visitantes do sexo feminino, cerca de 35% do total. A cada visita ao site, elas permanecem cerca de 10 minutos, um minuto a mais do que eles.
O Pornhub, a prop�sito, vem chamado a aten��o recentemente pela cria��o de novos produtos. Entre eles est�o uma pulseira que carrega baterias atrav�s do movimento repetitivo do bra�o, n�degas eletr�nicas que vibram e uma campanha para fundear o primeiro v�deo de sexo expl�cito no espa�o.
Com tanta popularidade e inova��o tecnol�gica, � bem poss�vel que a ind�stria pornogr�fica mude a experi�ncia sexual do futuro. Tecnologias h�pticas, Realidade Virtual e Internet das Coisas permitir�o que pessoas tenham condi��es cada vez mais realistas de estabelecer rela��es sexuais � dist�ncia, bem como expandir de forma consider�vel seus centros de prazer.
Da mesma forma, novos g�neros de fic��o tendem a expandir as rela��es para muito al�m do careta mundo cis e h�tero, atrav�s de narrativas e sensa��es h�bridas e transexuais, vers�es f�sicas que podem superar o mais louco Anime ou Hentai. Slash, um subg�nero de fanfic, fic��o criada por f�s de uma determinada hist�ria, realiza fantasias de relacionamento sexual entre parceiros de jornada heroica, criando pares como Harry Potter e Draco Malfoy, Frodo e Legolas ou Kirk e Spock. Fic��o de transforma��o � outro g�nero novo, em que homens s�o transformados em mulheres e experimentam vers�es invertidas de seus desejos.
Sexualmente ou n�o, os avan�os tecnol�gicos prometem novas d�cadas de profunda experimenta��o e reflex�o, muito al�m das limita��es impostas por c�digos religiosos ou sociais. Elas podem ser tanto um instrumento de autoconhecimento e compreens�o como um de autoindulg�ncia e depend�ncia ps�quica. Como se perguntava Shakespeare, "que sonhos vir�o quando nos livrarmos de nossos corpos mortais?". Nunca se esteve t�o perto da resposta.
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