� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Mais chatos do que radicais
Eles sempre existiram. N�s � que nunca demos ouvidos a eles.
O taxista que defendia o Minhoc�o, o tiozinho que n�o podia ver mulher sem comentar, o m�rmon que tocava a campainha de casa, o torcedor de segunda de manh� e o guerrilheiro de boteco n�o s�o inven��es das redes sociais. Como tampouco o s�o aquele tio rea�a, primo playboy, vizinho crente, chefe mala e colega new age. Na m�dia, o apresentador de TV que pede sangue � t�o velho quanto o programa de r�dio que mostra sangue, e provavelmente descendente do editor do jornal que, torcido, vertia sangue. Como eles, o entrevistador que fala mais do que o entrevistado, o apresentador camel� e o comentarista suado, de olhos arregalados e pol�micas vazias est�o mais para regra do que para exce��o.
Desde que a TV diurna provou com todos os minutos que era poss�vel fazer entretenimento de p�ssima qualidade em alta defini��o de cor e imagem, todos pareceram se contentar com o desperd�cio de oportunidades educativas. Das 9 �s 5, a TV tornou-se, via de regra, coisa de desocupado. No fim de semana, de leitor de Caras e Contigo. N�o se leva a s�rio quem leva Luciano Huck a s�rio, da mesma forma que n�o se considera a opini�o de quem acompanha Malha��o ou tem qualquer pe�a estampada pelo Romero Britto. Todos sabem que a cura do C�ncer n�o ser� anunciada nas p�ginas de Ti Ti Ti nem debutar� no programa da F�tima Bernardes. E n�o h�, a princ�pio, problema nisso.
Ningu�m racional acredita que o time do vizinho de baixo, o namorado da vizinha de cima ou a religi�o do vizinho do lado sejam amea�as reais ao mundo como o conhe�amos. Contanto que sua liberdade de express�o n�o interfira na nossa liberdade de sossego, est� tudo bem. Se o cunhado gasta uma fortuna em l�pis de cor e jardins secretos, problema dele. Desde que n�o o force a curtir suas aberra��es.
O vi�s de interpreta��o sempre foi social. A princ�pio, todos tinham vozes de n�vel equivalente, salvo pequenas varia��es de cargo, idade ou conhecimento. Novas m�dias desequilibram essa din�mica, � medida que amplificavam certos discursos para al�m da audi�ncia que mereciam. At� o ponto em que o tom e o volume do discurso sejam relativizados e equalizados, os oportunistas ganham fama e prest�gio simplesmente por ocuparem o espa�o antes de serem devidamente enxotados por material de qualidade.
A m�dia da vez � o Facebook. Diferente das tecnologias de comunica��o social que o precederam, ele � visto por todos, o tempo todo. Como o p�blico ignorante da TV aberta em hor�rio de trabalho, muitos usu�rios da grande rede ainda n�o aprenderam a relativizar o que acontece por ali. Acreditar que, gra�as �s manifesta��es de poltrona dos ciberativistas, o pa�s esteja a caminho de uma polariza��o ou radicaliza��o perigosa � t�o ing�nuo e tolo quanto interpretar as not�cias pelo vi�s do Datena.
No entanto � exatamente isso que parece acontecer. Mais grave do que a virul�ncia e o baixo n�vel dos coment�rios feitos por pessoas normalmente bem educadas � a surpresa de suas v�timas, que, chocadas, n�o conseguem relativizar a cr�tica da forma como o fariam se ela viesse de uma mesa redonda de comentaristas de futebol, de um apresentador de jornalismo cat�strofe ou de aspirantes a qualquer coisa em programas de audit�rio.
A democratiza��o da rede trouxe com ela a oportunidade de ampliar a participa��o do leitor, levando o debate para muito al�m do tradicional discurso editorial. Mas ao mesmo tempo que d� voz a quem tem o que dizer, ela tamb�m abre espa�o �queles que, sem treino ou restri��es, pregam suas convic��es diretamente do altar ou palanque de uma webcam, validando-as via Skype com quem pense da mesma forma.
A polariza��o � t�o real quanto irris�ria. Ela est� mais para o reflexo de paix�es e opini�es impulsivas do que de para qualquer atitude calculada. Como uma torcida de UFC, ela � infantil, em seu pior sentido. Pode ser perdoada como uma esp�cie de catarse de uma turba enfurecida em comportamento de rebanho, t�o racional quanto a plateia de um showm�cio.
O problema � maior do que um simples bate-boca. Hoje que a not�cia � consumida em ambientes compartilhados, em que coment�rios de todo tipo s�o expressos antes e durante a leitura do texto, a interpreta��o n�o � mais individual nem influenciada pelo autor, mas coletiva. � preciso lev�-la em conta. Mas at� que se chegue a alguma esp�cie de maturidade e a qualidade do debate melhore, n�o se deve lev�-la t�o a s�rio.
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