� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Museus ainda fazem sentido?
H� quem diga que existam museus demais. H� quem defenda que n�o existam em quantidade suficiente. Uns acreditam que eles s�o o reservat�rio da arte, outros o seu mausol�u, em que quadros estariam dispostos como l�pides.
Museus gigantescos como o Brit�nico, o Metropolitan e o Louvre (este, maior do que o Vaticano) muitas vezes sucumbem � pr�pria grandeza. Sua cole��o exposta, desconsiderada a reserva t�cnica, � t�o enorme que raramente consegue ser apreciada adequadamente. Como um smorgasbord de pratos art�sticos, a quantidade se sobrep�e � qualidade, tirando de seus visitantes qualquer experi�ncia est�tica de valor e trocando-a por uma maratona de nomes colecion�veis. Como apreciar adequadamente um Van Eyck quando se sabe que h� dezenas de Rembrandts e Bruegels � espera?
Pontos de peregrina��o obrigat�ria para qualquer viajante, museus s�o os verdadeiros cart�es postais de uma grande cidade. Mesmo em lugares cujo museu n�o faz parte do circuito mundial, como Bruxelas, Camberra ou Toronto, qualquer guia de respeito reserva uma por��o consider�vel de suas p�ginas a eles. Pode-se muito bem ir a Roma e n�o ver o papa ou ir a Londres e n�o ver a Rainha, mas ai do ignorante que v� a Nova York e n�o veja o Met ou o MoMA.
Mas apesar de populares entre os visitantes, boa parte dos museus ainda peca no seu relacionamento com a popula��o local. A Sala S�o Paulo e o Museu da L�ngua Portuguesa, por exemplo, se comportam como se a cracol�ndia estivesse em outro planeta. Do outro lado da rua, a Pinacoteca vira as costas para o Bom Retiro. Alheia ao tr�nsito da 23 de maio, uma das maiores cole��es de arte contempor�nea da Am�rica Latina recebe um infinit�simo do p�blico que frequentava o DETRAN que ali funcionava. At� mesmo o MASP, um dos museus mais famosos do Brasil, interage mais com a Avenida Paulista pelo espa�o que deixa de ocupar (seu v�o, de tantas feirinhas e manifesta��es) do que por suas exibi��es.
Nas redes sociais, as novas pra�as p�blicas, at� a burocracia do Estado tem uma presen�a mais forte do que os museus, com todo o seu acervo. Ser� que nesses tempos de virtualiza��o e reprodu��o indeterminada, em que pouco � colecionado (uma vez que praticamente tudo j� est� digitalizado e pode ser baixado direto da fonte) e que a pr�pria quest�o do que � "original" perde o sentido, museus e galerias ainda s�o relevantes? Ou teriam se tornado meros resqu�cios institucionais de uma era passada?
A culpa, se arrisco um palpite, n�o � do p�blico nem de uma institui��o em especial. Ela est� mais para o fruto de um sistema que perpetua a rela��o herm�tica entre "artistas" e curadores arrogantes, transformando institui��es de fim educativo em cole��es exclusivas, espa�os intimidantes, acess�veis a um p�blico menor do que lojas chiques de ruas idem. Espera-se de seu p�blico uma etiqueta que n�o foi ensinada para uma exposi��o que n�o � explicada. O resultado acaba por ser, como em diversos concertos de m�sica cl�ssica e obras oper�sticas, mais para uma representa��o de papeis do que para uma real experi�ncia est�tica.
A exce��o est� nos museus de ci�ncia, que parecem ter encontrado uma rela��o muito mais saud�vel com seus p�blicos. Voltados principalmente para a educa��o de crian�as, sua linguagem � clara e sem pr�-requisitos. A manipula��o de seus equipamentos � direta e costuma ser estimulada. O resultado � um ambiente din�mico e colorido, com a vibra��o cultural que deveria acompanhar qualquer descoberta. Parques ecol�gicos como o Projeto Tamar seguem a mesma filosofia. O resultado, barulhento e ca�tico, n�o poderia ser mais criativo.
Os museus precisam mudar. A come�ar por eliminar suas restri��es elitistas devidas a localiza��o, pre�o, hor�rio de acesso ou pr�-requisitos de forma��o. Tamb�m devem abrir seus espa�os para um p�blico maior, levar as exposi��es para onde o povo est�, n�o esperar que ele visite suas instala��es e websites. Das ruas ao Facebook, dos bailes funk de periferia ao YouTube, o museu precisa ser parte do cotidiano. A sele��o dos temas e pe�as precisa ser mais ampla, aberta a contribui��es de todos. Graffiti � arte, da mesma forma que tecnobrega e Funk s�o m�sica. Grafiteiros como��o Basquiat e Keith Haring eram vistos pela popula��o como v�ndalos, at� que algu�m explicasse o seu valor. Uma vez reconhecido, esse valor permite a cria��o de arte de verdade, n�o Romeros Brittos impressos em pratos e distribu�dos com a �ltima edi��o de caras.
O museu que mere�a o nome que tem n�o � s� uma cole��o, mas um reposit�rio de conhecimento acumulado, cultivado e classificado por gera��es de profissionais com dedica��o invej�vel. � uma institui��o dedicada � explora��o, preserva��o e divulga��o da cultura e das artes. N�o � (ou pelo menos n�o deveria ser, por mais que muitos insistam em ter lojinhas na sa�da de suas exposi��es) voltado para o marketing ou sucesso comercial. Seu interesse � grandioso e altru�sta, desapegado como uma escola.
Fontes confi�veis de refer�ncia e informa��o em tempos confusos, museus precisam ser diferentes do seu entorno. N�o se vai a um deles por obriga��o ou em busca de certifica��o (se bem que a quantidade de pessoas a tirar selfies na frente de obras de arte me faz duvidar desse �ltimo argumento). Os valores de seus frequentadores s�o diferentes dos de quem vai um shopping ou bar. H� uma predisposi��o para o diferente, para o inusitado, para se buscar novas formas de se ver o mundo. O que, por si s�, j� � uma grande conquista, nesses tempos em que o mundo � apresentado e classificado pelo Google e seus colegas.
Ao promover cruzamentos art�sticos entre arte, design, arquitetura, tecnologia, ci�ncia, antropologia, hist�ria e suas representa��es no mundo antigo, no caos contempor�neo e no rico mundo digital das redes sociais, museus existem para provocar uma profunda reflex�o art�stica, filos�fica e pol�tica em seus p�blicos, educando-os para um debate melhor. N�o � por acaso que qualquer ditadura persegue seus intelectuais e artistas. � neles que est� o verdadeiro perigo.
O museu, enfim, � t�o essencial quanto um banco ou hospital. S� um povo primitivo ou em estado de emerg�ncia, como o do Taleban ou da organiza��o terrorista autointitulada "estado" Isl�mico que n�o s�o capazes de reconhecer sua import�ncia. E levam sua vida bovina a trabalhar, consumir, se entupir de entretenimento vazio e buscar que uma seita ou religi�o qualquer diga a eles o que n�o tiveram a capacidade de encontrar na maravilhosa obra da humanidade.
Como diz sabiamente o bras�o da USP, "scientia vinces", por mais que muitas vezes a ignor�ncia lidere as invas�es b�rbaras.
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