� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Divulgar para preservar
Nos tempos da fotografia baseada em filme poucas coisas davam tanto trabalho quanto o negativo. Considerado o �nico "original" fotogr�fico, ele deveria ser guardado com todo o cuidado. Se tivesse algum valor hist�rico ou art�stico, precisaria ficar em um arm�rio escuro e climatizado para que n�o se deteriorasse. Em outras palavras, a melhor forma de preserv�-lo era escond�-lo.
A pel�cula fotogr�fica, hoje t�o cultuada por hipsters e aspirantes em geral, era um pesadelo tecnol�gico. Fr�gil e limitada, ela era guardada em um cilindro de metal que sofria com calor, umidade, p� e solavancos. Se fosse comprada em rolos e rebobinada para cartuchos, poderia ser danificada, empoeirada ou riscada no processo, ou inutilizada antes mesmo de entrar na c�mara. Boa parte dos efeitos "criativos" de aplicativos como o Instagram vem de c�maras ruins, que tinham pequenos vazamentos de luz ou filmes com defeito, cuja reprodu��o deixava a desejar. Se hoje parecem lindos, seus usu�rios da �poca n�o tinham a mesma opini�o.
Como praticamente n�o haviam filmes capazes de armazenar mais de 40 fotos, o processo de alimenta��o da c�mara era outro pesadelo. Muitos amadores e iniciantes inutilizavam trechos generosos de seus filmes na tentativa de encaix�-los em suas bobinas. V�rias vezes a c�mara era fechada e v�rias fotos eram tiradas s� para se perceber que o filme n�o tinha sido bem encaixado e nenhuma fotografia tirada at� ent�o tinha valido. Profissionais de fotojornalismo tinham que trocar seus filmes nas condi��es mais impr�prias (em um campo de futebol sob chuva ou no meio da multid�o em uma passeata, por exemplo). Muitas fotos foram perdidas ou nem chegaram a ser tiradas para "economizar" o registro e poupar oportunidades que jamais se repetiriam.
A revela��o era um processo t�o delicado que beirava a alquimia. Diz a hist�ria que George Eastman, o fundador da Kodak, criou sua empresa porque n�o aceitava que o processo - que em sua �poca era ainda pior - deveria ser t�o complexo. Buscando popularizar a fotografia, ele criou um sistema em que os usu�rios compravam a c�mara e a devolvia inteira, recebendo em troca suas fotos e outra c�mara virgem. "Voc� aperta o bot�o e n�s fazemos o resto", dizia seu slogan de 1888.
Ao longo do s�culo 20, o processo foi simplificado nas etapas em que isso era poss�vel, abandonando negativos de vidro e papel e tornando o processo de revela��o e amplia��o o mais simples poss�vel. Mesmo assim, muitas imagens hist�ricas foram perdidas por desastres t�cnicos.
Uma das mais famosas delas, a da chegada dos soldados aliados na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial, quase foi perdida. A famosa revista Life enviou o intr�pido Robert Capa, que se considerava mais jornalista do que fot�grafo e detestava guerras, para acompanhar o desembarque dos soldados. Debaixo de uma troca de tiros violenta, n�o era poss�vel trocar filmes. Mesmo assim Capa conseguiu tirar 106 fotos nas duas primeiras horas da invas�o.
Ciente da import�ncia das imagens para mostrar a realidade da guerra, ele voltou imediatamente para o escrit�rio da revista em Londres. Quando chegou l�, era quase a hora do fechamento da edi��o, cujo tema era a invas�o. Na correria para garantir a publica��o das fotos, um assistente fechou a porta do arm�rio em que os filmes secavam. Sem ventila��o, a emuls�o se derreteu. Sobraram s� 11 fotos, que ficaram conhecidas como alguns dos mais importantes registros daquela guerra.
Se a rela��o com o negativo era dif�cil para o profissional, para o amador ela era um verdadeiro pesadelo. Mesmo sem qualquer conhecimento do processo fotogr�fico, quem mandava suas fotos para revelar em pequenas lojas recebia suas fotos e um envelope com os negativos, que acabavam abandonados em algum canto, deteriorados por sol, poeira ou mofo.
Com o advento do digital, o negativo virou fetiche. Salvo os poucos artistas pl�sticos que o utilizam como suporte, todo o resto comemorou sua elimina��o. Em menos de uma d�cada, c�maras passaram a ser capazes de armazenar milhares de fotos de qualidade profissional em pequenos cartuchos, que poderiam ser trocados facilmente � luz do dia. Copiadas para discos r�gidos, as novas fotos n�o riscam nem deterioram, podem ser facilmente manipuladas e copiadas indefinidamente, sem preju�zo do original. Ainda � poss�vel perder ou danificar um disco r�gido, mas c�pias de seguran�a podem ser feitas sem esfor�o. O processo de cataloga��o de um acervo hoje pode ser feito pelo pr�prio fot�grafo, com a ajuda de alguns aplicativos especializados.
A popularidade da fotografia digital a tornou t�o corriqueira e banal quanto um bilhete. No mundo contempor�neo, espera-se algo de um desenho e nada de uma fotografia. Com a popularidade das redes sociais, n�o basta fotografar: � preciso compartilhar. Datas e locais, que j� s�o registrados automaticamente nos metadados de cada foto digital, s�o acompanhados de coment�rios e marca��es, que permitem seu f�cil acesso atrav�s de qualquer mecanismo de busca.
Hoje a melhor forma de preserva��o � a divulga��o. O que n�o � compartilhado acaba por ter o mesmo destino de um velho negativo, abandonado no fundo de um disco r�gido, ocultado por nomes como IMG_009786.DNG, at� que seja perdido, inutilizado ou gravado por cima.
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