� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Proibido para maiores
Muito se reclama que os principais servi�os de m�dia social criam ambientes "protegidos", t�picos de shopping centers, em que h� pouca ou nenhuma toler�ncia para o diferente, em que todos s�o conhecidos ou identific�veis, em que ofensas n�o s�o permitidas e, principalmente, de cujos termos de uso s�o obscuros. Mas essa infantiliza��o j� faz algum tempo que n�o se restringe � Internet.
Em �reas t�o distintas quanto a pol�tica e o cinema, departamentos de marketing parecem ter conseguido esvaziar todo e qualquer discurso autoral, educativo ou social em nome de um blablabl� insosso, esvaziado de significado, politicamente correto disfar�ado de "opini�o p�blica".
De jornais a websites, de comidas a vestimentas, pouco se v� al�m de uma uniformidade branda, bege e insossa, que busca se fundir ao ambiente ou higieniz�-lo. Pesquisas gen�ricas buscam em um p�blico igualmente gen�rico os desejos mais uniformes, de modo que n�o desagradem, insultem ou ofendam nenhum de seus fr�geis potenciais consumidores. O resultado s�o embalagens, prefeitos, jornais, hot�is, empresas, telefones, profiss�es, cremes, guich�s, comprimidos, palestras, deputados, aeroportos, lojas, CEOs, aplicativos, programas de TV e podcasts cada vez mais parecidos entre si.
O cinema � um triste exemplo. A mesma ind�stria que fez "Dr. Fant�stico" (1964), "O Poderoso Chef�o" (1972), "Um Estranho no Ninho" (1975), "Taxi Driver" (1976), "Annie Hall" (1977), "O Franco Atirador" (1978), "Kramer vs. Kramer" (1979), "Hair" (1979) e "Touro Indom�vel" (1980) deixa de fazer adapta��es de pe�as da Broadway e romances liter�rios contempor�neos –isso para filmar hist�rias em quadrinhos, videogames, passeios em parques tem�ticos e brinquedos.
Desde o sucesso de "Star Wars" (1977), muitos diretores de cinema se transformaram em mercen�rios daquela que um dia foi a s�tima arte, dedicando parte consider�vel de seu portf�lio para produtos comerciais. Como o Facebook, Hollywood "mima" seus espectadores ao entregar a eles exatamente o que querem.
Dos cem filmes que aparecem na lista de maior bilheteria em todo o mundo, noventa foram lan�ados neste s�culo. Destes, 76 (85%) s�o fantasias; seis s�o fic��o cient�fica e outros seis s�o aventuras para meninos (as s�ries "007" e "Velozes & Furiosos"). Al�m desses h� um musical inocente ("Mamma Mia!") e um filme de base religiosa ("A Paix�o do Cristo", de Mel Gibson). E s�. O papel das mulheres nessas novas hist�rias � desprez�vel. Depois da explos�o de liberdade e independ�ncia em "A Primeira Noite de Um Homem" (1967) e "Barbarella" (1968), elas voltam a ser sex symbols de import�ncia secund�ria.
Os enredos s�o t�o simples que poderiam caber em um par�grafo, com hist�rias em que o plano principal est� na experi�ncia da crian�a ou adolescente, no est�gio em que foi separado da estabilidade de sua unidade familiar habitual. Quase independente, ele alterna figuras paternas, mesmo que eticamente discut�veis, desde que aparentem seguran�a e serenidade em um mundo confuso e mutante.
A sociedade em que vivem faz com que a S�ria pare�a a Noruega, portanto n�o adianta buscar na lei uma solu��o. Cada um responde por sua pr�pria independ�ncia e prote��o, atrav�s de vigilantes tribais, autonomeados que operam fora da for�a policial e n�o respondem a um governo eleito.
Nesse mundo, o "super-her�i" � uma suaviza��o rom�ntica de um psicopata ou criminoso (exploradores, mercen�rios, cavaleiros, piratas, cowboys) e outras figuras mitol�gicas, como drag�es, ogros e duendes. N�o se discutem relacionamentos e, sempre que poss�vel, a atra��o sexual em qualquer n�vel acima do primitivo � ocultada.
Trabalho, leis, pesquisa e paci�ncia s�o coisas chatas. Tudo � um grande jogo, e quem n�o arrisca n�o petisca. A continuidade, manuten��o de ordem ou mesmo a plausibilidade psicol�gica s�o acess�rias. Na falta de refer�ncias culturais para compartilhar com a plateia, muitos filmes fazem refer�ncia a outros filmes de qualidade similar, na tentativa de criar em seus p�blicos um momento "aha". "Transformers", um cl�ssico desta nova �poca, deixa claro: bom � bom, mau � mau e carros viram monstros.
Em videogames, uma ind�stria cujos temas populares quase nunca chegaram a amadurecer, os t�tulos mais vendidos dependem quase exclusivamente dos g�neros desenvolvidos para meninos: capa-e-espada, feiti�aria, artes marciais, viagens espaciais, a��o, corrida, matan�a, guerra e super-her�is. Raramente surge um game com a qualidade narrativa de um Fellini ou um Kieslowski. Certamente n�o � a tecnologia que os limita.
A rela��o entre os produtores de cinema e videogames e seus p�blicos descreve um c�rculo vicioso: h� quem diga que a sociedade � infantilizada em benef�cio de um consumismo que valoriza gastos e v� o trabalho como um peso irrelevante; por outro lado pode-se dizer que a ind�stria, munida de pesquisas de audi�ncia, evita riscos e protege investimentos de porte ao entregar ao p�blico o que sabe que agradar�.
O resultado � triste, e pode ser constatado cada vez que se v� gente em um museu mais preocupada com a "selfie" do que com a obra que deveria provocar alguma reflex�o.
A maioria das hist�rias vem sendo, como as redes sociais, transformada em um espa�o de regress�o, em que imaturidades e petul�ncias inaceit�veis no mundo real se tornam a regra, transformando um ambiente que poderia ser questionador, diverso e abrangente em um sal�o confort�vel, seguro e bem comportado, conveniente para se esquivar das complexidades da vida adulta.
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