� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
N�o se pensar� como antes
A inclus�o digital precisa ser encarada como alfabetiza��o, n�o como t�cnica. Ela � uma forma h�brida de comunica��o que, como o Portugu�s do Brasil ou o Ingl�s dos Estados Unidos, come�ou como dialeto e se misturou progressivamente � l�ngua que lhe deu origem, criando um ambiente novo e din�mico, muitas vezes incompreens�vel para quem lhe � estrangeiro. Por enquanto sua interpreta��o � simples, mas no ritmo em que evolui, logo se tornar� intraduz�vel.
Os jovens de hoje s�o a primeira gera��o a crescer com a nova tecnologia. Ao passar boa parte de suas vidas rodeados por computadores, videogames, smartphones, c�maras e todos os outros brinquedos e ferramentas eletr�nicas, seus c�rebros v�o se condicionando � multiplicidade de est�mulos e demandas dessa nova era.
Da mesma forma que uma bengala se transforma na extens�o do corpo de uma pessoa cega, ajudando-a sentir o ambiente � sua volta e, atrav�s dela, a se locomover em um ambiente mesmo que n�o seja capaz de v�-lo, cada nova tecnologia de registro e produ��o de conte�do molda a maneira de pensar, bem como aquilo que � pensado.
A palavra impressa ajudou a criar linhas de racioc�nio e longas argumenta��es, que seriam facilmente perdidas ou manipuladas por algu�m que tivesse uma boa orat�ria. Ao permitir que o conhecimento pudesse ser consultado, revisto e comparado, ela ajudou a expandi-lo.
Jornais encolheram o mundo ao mesmo tempo que o tornaram imenso. Ao mesmo tempo que tudo que tinha ocorrido de importante no planeta podia caber em algumas p�ginas impressas, essas mesmas p�ginas tinham a capacidade de mostrar lugares distantes e formas in�ditas de pensar.
A partir de meados do s�culo 19, o mundo foi se tornando progressivamente menor e mais pr�ximo, ao mesmo tempo que mais diverso e m�ltiplo. Tel�grafo, telefone, Internet, celulares e smartphones trazem tantas novidades culturais quanto inova��es t�cnicas. E a cada inova��o, velhas ind�strias e formas de pensar caem por terra, levando com elas profiss�es que pareciam inabal�veis.
Sempre que surge uma nova revolu��o surgem com ela novos profetas culturais a debater se a sociedade est� diante de um apocalipse ou de uma utopia. Boa parte dos argumentos � infrut�fera, por estar concentrada no ef�mero. Em sua miopia de contexto, ela se preocupa demais com os problemas atuais, sendo muitas vezes incapaz de imaginar que logo ser�o superados em nome de uma mudan�a mais est�vel e duradoura. Plat�o dizia que os livros isolavam as pessoas e que, sentados em seus cantos a ler, ningu�m mais conversaria. N�o era capaz de pensar que esse h�bito logo seria complementado por outras formas de intera��o social, pois de que vale ler algo fascinante se n�o houver ningu�m com quem dividir a experi�ncia?
Estudos mostram que formandos em universidades dos EUA hoje - e, portanto, jovens com estilos de vida equivalente por todo o mundo - ter�o passado menos de 5.000 horas de suas vidas lendo, contra mais de 10.000 horas a jogar videogames e o dobro disso a assistir TV. Boa parte dessa experi�ncia ser� consumida de maneira simult�nea, muitas vezes ao administrar tr�s ou mais canais simultaneamente.
Perde-se em concentra��o, ganha-se em abrang�ncia. A calculadora digital fez com que muitas pessoas capazes de fazer diversas opera��es no papel perdessem essa habilidade, reconfigurando seus neur�nios para fazer algo mais �til. Hoje o mesmo acontece com a memoriza��o de endere�os, anivers�rios, n�meros de telefone e rotas atrav�s da cidade. Se o computador � capaz de fazer essa atividade, alegar que o ser humano tamb�m deveria ser capaz de faz�-la para n�o se tornar dependente � t�o absurdo quanto argumentar que dever�amos ser capazes de furar paredes com as pr�prias m�os para n�o depender de martelos.
A neuroci�ncia contempor�nea vem comprovando a plasticidade do c�rebro. Est�mulos constantes de v�rios tipos realmente mudam a estrutura do c�rebro e afetam a maneira como se pensam. A velha ideia de que o ser humano tem um n�mero fixo de neur�nios que morrem aos poucos foi substitu�da pela constata��o de que o reabastecimento de c�lulas cerebrais � constante, tornando o c�rebro um �rg�o constantemente reorganizado, adaptado a cada novo ambiente.
A mudan�a das novas gera��es n�o � simplesmente incremental com rela��o ao passado. Ela n�o � s� uma mudan�a de g�rias, roupas, adornos ou estilos, como veio acontecendo com as gera��es anteriores. Mais do que isso, ela representa uma completa ruptura na forma com que se pensam e processam informa��es.
As diferen�as v�o muito mais longe e mais profundo do que a maioria dos pais, chefes e educadores suspeitam ou percebem. � muito prov�vel que os c�rebros dos novos sejam fisicamente diferentes, como resultado de como eles cresceram. Mas isso ainda n�o � comprovado. O que � certo dizer � que, mesmo que a anatomia tenha permanecido a mesma, nunca mais se pensar� como antes.
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