� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O ataque das planilhas eletr�nicas
O golpe mais forte costuma vir do inimigo que parece mais inofensivo. O dano mais perigoso vem do equipamento que aparenta ser o mais confi�vel. Como bem o sabem os lutadores de sum�, a apar�ncia de fragilidade �, em si, uma enorme for�a.
Se houver um dia uma revolu��o das m�quinas contra a esp�cie humana, ou se precisarmos de um bode expiat�rio eletr�nico para as mazelas da humanidade, meu candidato a culpado � o Microsoft Excel. Pois quem diria que justo as planilhas, aqueles aplicativos bestas e azulados, feitos para fazer contas e tabelas, poderiam se mostrar t�o perigosas?
Planilhas eletr�nicas nada mais s�o do que um conjunto de f�rmulas mutuamente dependentes. Quando se olha para os resultados finais, muitas vezes � dif�cil saber quais foram as regras que levaram a tais resultados, a menos que estejam expl�citas. "N�meros", j� diz uma piada comum entre quem trabalha com planilhas, "s�o fracos: basta um pouco de tortura que digam exatamente o que se espera deles". At� mesmo a planilha mais elegantemente trabalhada pode funcionar como um castelo de cartas, pronto para entrar em colapso com o primeiro dado ou suposi��o incorreta.
Um exemplo desse tipo de erro que ainda vai dar muita dor de cabe�a para administra��es progressivas ao redor do mundo foi cometido pelos professores de Harvard Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Em uma longa pesquisa medindo os resultados de investimentos governamentais dos EUA em projetos sociais, eles chegaram a uma conclus�o pol�mica: que a d�vida do governo estaria diretamente relacionada a baixos �ndices de crescimento econ�mico.
O resultado, publicado em um relat�rio chamado "Growth in a Time of Debt" (crescimento em tempos de d�vida), mostrava, entre tabelas e gr�ficos que poucos examinar�o, que o investimento governamental n�o adiantava grande coisa, e que era melhor deixar as for�as do mercado se recuperarem sozinhas da crise.
� uma conclus�o estranha, ainda mais se levadas em conta os �ndices de investimento p�blico em pa�ses n�rdicos, quando comparados � �frica subsaariana, e os resultados sociais que se tem nesses pa�ses. Mas a planilha n�o deixava d�vidas. O problema � que estava errada.
Mas como poderia estar, se os n�meros mostravam o resultado t�o claramente? Seus autores, ofendidos com os coment�rios que suspeitavam da qualidade de sua pesquisa, escreveram v�rios editoriais defendendo-a. At� que um dia outros pesquisadores conseguiram acesso a seus dados e descobriram a poeira varrida para debaixo do tapete: a planilha apresentava erros de c�digo, exclus�es de dados e "pesos pouco convencionais" para determinadas vari�veis. A revis�o mostrou o que se imaginava. A planilha n�o s� estava errada como o dado levemente negativo que sugeria era, na realidade, fortemente positivo.
Esse tipo de erro � infelizmente comum hoje em dia. Uma vez que planilhas podem realizar muitas opera��es essenciais, quem as utiliza tende a perder de vista o fato fundamental que os montantes calculados s�o imagin�rios.
Por serem capazes de projetar cen�rios financeiros de vari�veis quantific�veis, planilhas estimulam tomadas de decis�o repentinas, nem sempre sensatas. Estas podem, em efeito cascata, gerar grandes crises. A revista Fortune lista algumas das mais recentes.
Antigamente as planilhas eram feitas � m�o. Seus c�lculos eram realizados por calculadoras externas, de prefer�ncia com fitas de papel, para minimizar erros de leitura e c�pia. Mesmo assim os erros aconteciam com razo�vel frequ�ncia. Se algum valor mudasse, todo o resto precisaria ser recalculado. Fazer planilhas era uma tarefa ma�ante, deixada para subalternos.
A planilha eletr�nica mudou o cen�rio. N�o s� por economizar tempo em c�lculos, mas pela capacidade de criar cen�rios, explorar hip�teses, experimentar op��es. Em outras palavras, brincar com uma empresa-fantasma dentro do computador.
Antigamente se um t�cnico quisesse sugerir uma mudan�a para um cliente, precisaria de algu�m para calcul�-la, envi�-la para o datil�grafo, depois para o revisor, depois recalcul�-la para se certificar de que n�o havia erros. Com as planilhas eletr�nicas, a m�quina faz tudo imediatamente, o que mudou a forma com que se encaram as proje��es. Se por um lado isso levou a grandes economias e maior efici�ncia, por outro estimulou o comportamento de risco que se v� em tantas empresas.
Um ambiente de software e simula��o �, por sua pr�pria natureza, male�vel, ideal para quem procura uma realidade paralela. Quando se fala nesse tipo de ambiente muitos pensam nos cen�rios fant�sticos de videogames sofisticados ou nas paisagens imersivas de simuladores, mas as planilhas eletr�nicas podem ser igualmente virtuais. E muito mais perigosas.
Mais do que uma ferramenta, a planilha tamb�m representa uma vis�o de mundo, que recria a realidade atrav�s dos n�meros. Se a percep��o de quem toma decis�es � moldada por planilhas, � importante que todos saibam o que a ferramenta pode (e n�o pode) fazer, que erros esperar delas. E estejam prontos para contest�-las.
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