� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
� preciso pensar (muito) grande
O per�odo de transi��o que come�ou mais ou menos na virada do s�culo n�o d� sinais de perder o f�lego. Novas tecnologias e servi�os revolucion�rios surgem a cada instante, chacoalhando carreiras e certezas de tradi��o centen�ria ou milenar.
Mudan�as que antigamente levavam d�cadas ou s�culos para se consolidar hoje s�o assimiladas em pouco menos de um ano. � dif�cil conceber um tempo em que se viva sem celulares, GPS, WhatsApp, Facebook, Google, Wikip�dia e YouTube. N�o h� mais emprego completamente imune a bases de dados, rob�s e servi�os disruptivos variados.
� natural que muitos tenham vontade de correr para o meio do mato e se esconder em alguma choupana, ouvindo modas de viola que fa�am refer�ncia a uma �poca serena. Mas n�o adianta fechar os olhos e tampar os ouvidos, feito crian�a assustada, acreditando ser invis�vel at� que a amea�a passe. � preciso encarar de frente a novidade, compreender o que ela tem de bom e demandar um uso seguro e ben�fico para todos.
Isso raramente acontece. M�dicos, advogados e professores viram as costas para a Internet, tablets e celulares, se esquecendo que estes, se bem direcionados, podem ser �timos assistentes. A IBM percebeu isso ao chamar de Watson - e n�o Sherlock - o supercomputador que venceu o jogo "Jeopardy" e hoje se dedica a devorar bases de dados m�dicas e jur�dicas.
Boa parte da tecnologia surge para democratizar o acesso e corrigir distor��es. Da mesma forma que ningu�m leva a s�rio m�dicos que n�o acreditam em tomografias ou advogados que preguem a vingan�a, ningu�m pode se dizer satisfeito com o atendimento de profissionais que mal olham para seus clientes, entregam solu��es engavetadas e diagnosticam exatamente o que foi dito pelo dr. Google, agindo como despachantes de luxo de uma burocracia cartorial que ajudam a perpetuar. O dia em que seus empregos forem varridos pela automa��o, ningu�m chorar�.
H� pouco mais de quatro s�culos Shakespeare se perguntava, no famoso mon�logo de Hamlet, se era mais nobre para o esp�rito suportar as pedras e lan�as de um destrino ultrajante ou levantar os bra�os contra um mar de problemas e, opondo-se a eles, venc�-los. Depois de pensar alto por um pouco, Hamlet chega � conclus�o que o medo do desconhecido acovarda e torna melanc�licos aqueles que tentariam se aventurar, fazendo-os suportar os males que tem.
A solu��o para os problemas de uma tecnologia normalmente aparece com mais tecnologia. Os primeiros avi�es ca�am o tempo todo e ningu�m parou de voar. Os primeiros carros eram b�lidos perigosos e ningu�m deixou de us�-los. O raio X matou muita gente por intoxica��o radiativa e n�o foi abandonado. Muito pelo contr�rio, novas ideias foram desenvolvidas para domesticar e popularizar a inova��o.
O medo da incerteza � o maior inimigo do progresso. Nesse ambiente o m�ximo que pode ser feito � cortar gorduras e fazer pequenos ajustes administrativos. Qualquer estrat�gia que demande perdas a curto prazo para chegar a objetivos maiores � rejeitada em nome da "cautela" que defende um sistema que celebra ganhos imediatos e at� tolera estagna��es, mas condena qualquer iniciativa que n�o possa ser comprovada.
O curioso � que a estabilidade dos tempos passados, de que todos parecem sofrer uma nostalgia n�o vivida, � uma inven��o recente. At� a revolu��o industrial, poucos empregos que n�o estivessem no governo ou na igreja eram vital�cios. O resto era composto por aut�nomos, que precisavam trabalhar muito e construir sua reputa��o com esfor�o e relacionamento cotidianos.
No final do s�culo 19 um grupo de jornalistas dos Estados Unidos perguntou a 74 eminentes cidad�os como seria a vida em um s�culo. Eles imaginaram quase tudo, de novas armas de destrui��o em massa a formas el�tricas de comunica��o global. S� n�o conseguiram pensar na utilidade de um invento patenteado um pouco antes, o motor a explos�o de Karl Benz, essencial para o crescimento da motoriza��o em massa e seu enorme impacto social e urbano. H�beis em prever vagamente um "futuro" que resolveria todos os males e talvez causasse novos problemas, eles n�o pareciam capazes de compreender a cadeia de eventos tecnol�gicos, comerciais, sociais e pol�ticos que levariam a ele.
A popularidade da fic��o cient�fica vem do fato de refletir, em parte, uma narrativa de vis�o grandiosa e compartilhada. Ela mostra que h� grandes recompensas para quem desafie as insanidades de um situa��o que, em retrospecto, parece insanamente perigosa e inst�vel, por mais que o romantismo da comodidade das vis�es de passado insista em camuflar.
Mas elas n�o vir�o sem uma boa dose de esfor�o e alguns danos colaterais pelo caminho.
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