� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Datacracia
Caminhamos para uma �poca de vigil�ncia sem precedentes. A cole��o de rastros digitais deixados a cada chamada, transa��o financeira, uso de GPS e rede social, alimenta bases de dados comportamentais que conseguem identificar, com precis�o crescente, os movimentos e din�micas da cidade.
A rede, que j� era quase onipresente, se torna tamb�m onisciente. Cr�ticos podem espernear, mas o fato � que a vida privada, na forma como a conhecemos hoje, � coisa do passado. O mundo digital � um mundo de registro e observa��o, e reclamar dele � a mesma coisa que reclamar de televisores, celulares, Facebooks e WhatsApps: na melhor das hip�teses, infrut�fero.
O que fazer, ent�o? Para come�ar � preciso repensar as institui��es e formas de organiza��o social. As principais maneiras ocidentais de compreender e administrar grupos humanos foram criadas em uma �poca mais calma, menos informada. A concep��o atual de "sociedade" nasceu durante o Iluminismo e se consolidou na primeira metade do s�culo 20, uma �poca de carruagens, vapores e pombos correio.
Hoje esse modelo est� pr�ximo de seu esgotamento. Em uma sociedade de prefer�ncias individuais, partidos e sindicatos parecem m�dias grosseiras, estere�tipos que consideram seus membros uma massa uniforme. Os mercados de Adam Smith s�o t�o impessoais quanto as classes marxistas.
A vit�ria institucional da democracia, evidente pela tentativa de regimes totalit�rios de se camuflarem dela, disfar�a sua vulnerabilidade � corrup��o e � manipula��o. No ambiente de riqueza de dados a sensa��o geral � que d� para fazer melhor.
A sociologia contempor�nea mostra que a popula��o � composta de subgrupos distintos, marcados mais por afinidade do que por bairro de resid�ncia, profiss�o ou renda familiar. Os membros de cada uma dessas "tribos" urbanas costumam ir ao mesmo tipo de lugar, vestir-se de forma parecida, ter padr�es de gastos e viagens proporcionais. Suas escolhas individuais os agrupam em associa��es comportamentais, din�micas.
� nesse ponto que as tecnologias de "Big Data" podem fazer a diferen�a em pol�ticas p�blicas. Novas ci�ncias sociais quantitativas usam teorias computacionais para prever din�micas e intera��es sociais, ajudando a criar modelos matem�ticos para detectar anomalias, comparar cen�rios e ajustar vari�veis para atender a demandas.
Pode-se, ent�o, observar o comportamento de seres humanos da mesma forma que se observam formigas ou abelhas? De certa forma, sim. � claro que, ao contr�rio de formigas ou abelhas, as atitudes humanas n�o s�o determinadas puramente por instinto. O pensamento n�o � observ�vel. Baseado em escolhas pessoais, ele � rico e imprevis�vel.
Mas tomar milhares de decis�es cotidianas d� muito trabalho, e para a maioria das pessoas, a sensa��o de livre-arb�trio � maior do que a real espontaneidade. Os dados j� coletados por alguns experimentos sociais mostram que o desvio dos padr�es ocorre muito raramente. A regularidade estat�stica que abrange a popula��o � verdadeira para quase todo mundo, em quase todo o tempo.
Ao reunir Economia, Sociologia, Psicologia, Matem�tica complexa, processos de tomada de decis�o e grandes bases de dados, novos algoritmos dever�o ser capazes de ver al�m de classes, profiss�es, bairros e partidos e ajudar a desenvolver uma "datacracia", que colabore para evitar crises de abastecimento e infraestrutura, orientar investimentos e simular a��es de interven��o.
Todo esse poder lembra o dom�nio aterrorizante de livros como "1984" e "Minority Report". De qualquer forma ele j� � utilizado pela publicidade moderna e por grandes mercadores de informa��o, como telef�nicas, institui��es financeiras e supermercados, � revelia ou na ignor�ncia de quem os utiliza. Facebook e Google n�o s�o gratuitos, eles comercializam os dados de seus usu�rios para quem pagar melhor. Est� na hora dessa observa��o toda gerar alguma vantagem social.
H� quem tema que o emprego dessas tecnologias torne a administra��o p�blica positivista, impessoal, tecnocr�tica ou burocr�tica, minimizando at� suprimir o papel dos prefeitos. � um risco, embora eu acredite que administra��es bem-intencionadas devam us�-las como consultores t�cnicos para reduzir gastos desnecess�rios e criar administra��es mais humanas e integradas.
No futuro pr�ximo ser� poss�vel imaginar uma completa reestrutura��o do urbanismo, deixando o sistema est�tico de hoje para criar uma estrutura din�mica, em que cada recurso - �gua, alimentos, res�duos, transportes, educa��o, energia etc - seja integrado a sistemas autorregul�veis, impulsionados por necessidades e prefer�ncias p�blicas.
Mas para isso � necess�rio garantir que os dados coletados n�o sejam usados para fins escusos. O poder � grande, e a tenta��o de abus�-lo, maior ainda. A "datacracia" pode ser meritocr�tica, burocr�tica ou tecnocr�tica, mas essa decis�o deve ser tomada por um sistema jur�dico e institucional forte, que proteja liberdades individuais ao mesmo tempo que estimule a transpar�ncia.
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