� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Envelopamento em conte�do
Quem se lembra da primeira vez em que ouviu falar do copiloto da Germanwings? Do Boko Haram? Do Estado Isl�mico? Da suspeita de Ebola no Brasil? Da crise na Gr�cia? Do Petrol�o? Das manifesta��es? Quem � capaz de precisar o momento e a fonte em que soube, pela primeira vez, de um fato novo ou controverso?
O m�ximo que se consegue saber � que a informa��o veio "da Internet", compartilhada pelas redes sociais, provavelmente origin�ria de algum ve�culo de informa��o. A princ�pio n�o haveria problema com um fato n�o lido na Folha, Estad�o, JB, �poca ou Zero Hora, nem apresentado pela Globo, Bandeirantes, CBN ou ESPN. Pelo contr�rio, poderia indicar uma saud�vel multiplicidade de fontes, opini�es e pontos de vista.
Nenhuma hist�ria, no entanto, � neutra. Nenhuma verdade � absoluta e toda informa��o vem de algum lugar. Se n�o foi testemunhada diretamente, deve ter chegado mediada por um autor ou editor. Este personagem � um filtro. Ele determina o ponto em que come�ar� a narrativa, o que ressaltar e o que suprimir. O resultado desse processo � a linha editorial da hist�ria.
Hoje vivemos "envelopados" em conte�do. As informa��es s�o tantas, vindas de tantas fontes, que � praticamente imposs�vel identificar-lhes a origem. Algumas delas, mesmo absurdas, acabam registradas no subconsciente. Quando algu�m as repete, outro "j� ouviu isso em algum lugar" e, sem o saber, valida a informa��o. Quem conta um conto, dizem, aumenta um ponto.
Por mais que se ame ou abomine a linha editorial de um peri�dico, n�o se pode esquecer que o Jornalismo � uma institui��o social. Como a Escola, o Direito e a Medicina, ele se apoia em uma rela��o de �tica e confian�a estabelecida entre as partes, muito maior do que a que se deposita em um gerente de banco, comerciante ou publicit�rio. Jornalismo de qualidade leva em considera��o a fonte da hist�ria e busca, sempre que poss�vel, desenvolver um distanciamento cr�tico, especialmente quando o assunto � controverso e pode comprometer reputa��es. Quem n�o faz isso pratica uma forma perniciosa de entretenimento travestida de not�cia.
Um dos principais pap�is sociais da comunica��o � o de atribuir contexto e organizar a a��o coletiva. A conversa informal, nos botequins dos Facebooks e cantinas dos Linkedins, n�o deveria ser considerada fonte de not�cia ou reflex�o, mas de fofoca, boato e difama��o, menos importante por seu conte�do do que por seu efeito no refor�o das rela��es sociais.
Nesse contexto, "viral" � muito diferente de verdadeiro.
Um dos primeiros aprendizados sociais � o de relativizar a informa��o recebida. Se um tiozinho careta, um carro de som de sindicato em greve ou um ator em programa de culin�ria diz algo, a informa��o tem import�ncia diferente de um relato de um m�dico, advogado ou professor no exerc�cio de sua fun��o. Quando se ouve que "tal jornal � rea�a", que "tal revista tem problemas editoriais" ou que " a emissora bajula o governo porque depende de patroc�nio", o senso cr�tico est� em a��o.
Ele nunca foi t�o importante. At� h� pouco tempo, mesmo quem n�o ligava para a imprensa trombava nas not�cias de capa das revistas e de primeiras p�ginas de jornais e portais e, dessa forma, sabia o que acontecia de importante no mundo. Hoje � poss�vel ignor�-las completamente e viver no isolamento das c�maras de eco das m�dias sociais, em que s� o conhecido - e aceito - � transmitido.
A Internet ainda tem o potencial de ser um meio mais adequado para a forma��o democr�tica do que foi a m�dia de massa, mas para isso precisa melhorar muito seu crit�rio de sele��o de conte�do. O grande problema com as timelines e mecanismos de busca � que o algoritmo prioriza a popularidade, n�o sua precis�o ou veracidade. Igualzinho a um papo de boteco.
O peso da informa��o deveria ser um reflexo da reputa��o do autor, n�o da popularidade do tema nem das prefer�ncias do leitor. Categorias sociais t�o diferentes quanto pais, governantes, professores, m�dicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psic�logos e personal trainers sabem que "dar ao povo o que o povo quer" � uma pr�tica fr�gil, ef�mera e superficial. Ao inverter a hierarquia de valores, a relev�ncia da institui��o � comprometida. Hoje que todos tem acesso � informa��o, a fun��o do especialista � atribuir crit�rio goela abaixo, mesmo quando indesejado. Principalmente quando indesejado.
A domina��o do algoritmo � perigosa porque n�o afeta apenas a forma com que a not�cia � interpretada, mas tamb�m interfere na forma de pensar, moldando a maneira como se v� o mundo. Quando tudo � previs�vel e nada incomoda o resultado � banal, vazio e mimado como filosofia de boteco.
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