� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Democracia, controle e escravid�o
A efervesc�ncia das redes sociais nas �ltimas semanas � ind�cio de que a Internet veio para ficar como forma de manifesta��o social. Nunca se viram tantos pontos de vista categ�ricos, simultaneamente atualizados, customiz�veis para qualquer plataforma. Se antigamente eram necess�rios diversos profissionais e um m�nimo de conhecimento t�cnico para se colocar uma mensagem no ar, hoje pode-se dizer que a democracia chegou.
Democracia? Perd�o, o termo correto para esse sistema � anarquia. Para a democracia se pressup�e uma decis�o em conjunto, em que a voz da maioria reunida prop�e uma solu��o comum a todos, que dever� ser engolida a seco pelos opositores. � t�o banal falar em seu nome que �s vezes o real sentido � perdido. Ao examin�-la detalhadamente, parece coisa do s�culo passado. Ou melhor, de 20 s�culos atr�s.
Winston Churchill j� dizia que a democracia n�o � o sistema perfeito, mas o melhor dispon�vel. A ideia que agrade � maioria ser mais importante do que as outras, mesmo que sejam melhores, mais pr�ticas, mais sensatas ou vi�veis, provoca desconfian�a. Em um mundo digital, conectado e acess�vel, chega a causar estranheza. Se posso ser feliz com o meu grupo, para quem divulgo abertamente minha opini�o formada sobre tudo, por que deveria me contentar com a lerdeza dos tribunais, assembleias e congressos?
No ambiente an�rquico proporcionado pelas tecnologias digitais tudo � muito r�pido e intenso. Desorientados, muitos acabam por se comportar como crian�as hiperativas: cada um fala o que bem entende e n�o se chega a lugar nenhum, nem � esse o prop�sito. Em teoria n�o � ruim. E poderia ser at� intelectualmente estimulante.
O problema � que o ser humano � fascinado por controle. Boa parte dos avan�os tecnol�gicos, como boa parte do estrago que fazemos uns aos outros e ao planeta, vem de uma enorme insatisfa��o que se tem com o estado das coisas e uma vontade imensa de convert�-las �s expectativas. Para esse tipo de personalidade, a informa��o customizada e adaptada �s prefer�ncias particulares, entregue automaticamente, parece uma b�n��o.
Mas n�o �. Ao mimar o usu�rio e permitir a ele o consumo de qualquer tipo de informa��o, Facebook e Google aparam arestas e eliminam confrontos. Nesse processo contribuem para exterminar qualquer esp�cie de aprendizado. A "conveni�ncia" da m�dia fortalece preconceitos e h�bitos, uma vez que � tremendamente confort�vel nutri-los.
Ningu�m nasceu gostando de br�colis. Gosto n�o se discute, mas, como educa��o, se desenvolve. Para se aprender a ouvir boa m�sica � preciso tempo e paci�ncia. Para se formar cidadania, cultura, senso art�stico e est�tico tamb�m. Ao permitir o controle sobre o que se v� e de que forma isso ocorre, as tecnologias digitais fazem seus usu�rios crer erroneamente que exercitam uma esp�cie de curadoria, quando o que acontece � exatamente o contr�rio.
Ao enfatizar a efici�ncia da tecnologia em vez de se perguntar qual � o processo que ela torna mais eficiente, as perguntas dif�ceis s�o evitadas. E qualquer manifesta��o pol�tica, jornal�stica, cultural, did�tica ou art�stica tem seu contexto e significado esvaziados, at� que se transformem em um tipo de entretenimento vazio.
Diz-se que o que amarra todas essas tecnologias � o conforto e a satisfa��o das necessidades. Mas de que necessidades se fala quando se trata de conhecimento e forma��o? Em um mundo que o usu�rio pode exercitar um controle sem precedentes sobre o que v� e escuta, � poss�vel evitar conscientemente ideias, sons e imagens com as quais n�o se concorda ou de que n�o se gosta.
Na pressa em replicar o novo e atender ao grupo, boa parte do conte�do se torna conveniente e individualizado, uma c�mara de eco que promove o narcisismo e o individualismo vazio.
At� Walter Benjamin ficaria impressionado ao ver que sua proposta de "aura" da obra de arte, composta por sua originalidade, autenticidade e unicidade, reside agora nos aparelhos tecnol�gicos em que � reproduzida.
O quadro foi substitu�do por sua moldura.
Esse novo ritual, conveniente, que prop�e o consumo desmedido de experi�ncias completamente personalizadas, � uma forma de escravid�o. Ao contr�rio da arte e da cultura, que encorajam seus navegantes a transcender sua pr�pria experi�ncia, os fixa obsessivamente a objetos t�o brilhantes quanto um dia o foram os espelhinhos e mi�angas.
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